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CRÍTICA
Paulinho da Viola é o cantor do futuro
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O vibrato na voz de Paulinho da Viola: comentar um
mistério desses já nos levaria,
quem sabe, um pouco mais perto
da arte de um de nossos maiores
músicos.
Ele usa pouco o vibrato; geralmente num fim de frase ("Não
posso definir aquele a-ZUL"),
mas também para reforçar certas
sílabas ("Senti-MEN-tos, em meu
peito eu TE-nho de-MA-ais"). Às
vezes, canta um trecho inteiro a
seco. E é justamente por isso que o
vibrato tanto importa: na vibração delicada da voz, sempre controlada e justa, abre-se uma fresta
para outro tempo, resgatado sem
sentimentalismo.
Ele mesmo insiste que não sente
saudade, ou não precisa sentir
saudade, porque tem a música do
passado viva por dentro. O quanto dessa mitologia é uma verdade
do músico e o quanto uma ilusão
do cantor? O filme de Izabel Jaguaribe não põe a pergunta nesses
termos, mas nos dá elementos para pensar sobre o assunto.
Tanto a diretora quanto o roteirista, Zuenir Ventura, acabam se
entregando no fim -uma sequência de imagens de Paulinho
vestido "à antiga", num cenário
de Rio antigo, em preto-e-branco.
Há uma dose de ironia nessas poses, claro. Mas não é um estranho
fecho para um filme chamado
"Meu Tempo É Hoje"?
É um risco, também, que o filme
assume na mesma medida em
que recolhe anedotas cotidianas
do músico como restaurador de
relógios ou colecionador de carros caindo aos pedaços. Que esse
simpático antiquário carioca seja
um dos maiores compositores do
nosso tempo, que sua música seja
tudo menos antiga, que sua idéia
de mundo caia como um poema
forte, perpetuamente novo, sobre
nossas cabeças cansadas, é a contradição que funda o filme. Traduzida em prosa, fica mais ou menos assim: Paulinho não é o que
ele diz, mas também não é o contrário; nem está livre do passado,
nem preso a ele. E não há repertório de imagens capaz de nos mostrar essa suspensão.
Mas eis um caso em que imagens, afinal, não são tão necessárias. Nem prosa. A grande força
do filme é nos pôr bem perto da
música. Nada bate as imagens de
Paulinho cantando e tocando violão ou cavaquinho. Seja em casa,
seja na marcenaria, num estúdio,
ou ao ar livre, seja sozinho, seja na
companhia de parceiros como Elton Medeiros (tocando sua incrível caixa de fósforos), Marisa
Monte ou a Velha Guarda da Portela (Monarco, Casquinha, Jair do
Cavaco, Argemiro -o grande
rosto do filme, só comparável ao
de Pixinguinha), Paulinho da
Viola fazendo música nos redime
da falta de palavras, da falta de
imagens, da falta de quase tudo.
As muitas cenas de convívio familiar e fraternal, nesse filme feito
só entre família e amigos, ficam
pequenas, afinal, na memória,
por mais comovente que possa
ser a sabedoria cotidiana do músico. É que a sabedoria musical engole tudo, em nuanças de tom e
matizes da voz de um dos maiores
compositores e um dos maiores
cantores de "hoje" -quer dizer:
do futuro.
Paulinho da Viola: Meu Tempo É
Hoje
Produção: Brasil, 2003
Direção: Izabel Jaguaribe
Quando: a partir de hoje nos cines
Morumbi, Espaço Unibanco, Frei Caneca
Unibanco Arteplex e Pátio Higienópolis
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