São Paulo, sábado, 08 de agosto de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Brilho e breu


Livro póstumo inscreve o poeta r. ponts (1980-2004) na linhagem dos autores que morreram precocemente
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

A FIGURA do poeta que morre precocemente e deixa uma obra marcada pela experiência da doença entrou para o imaginário da literatura por meio de românticos como Álvares de Azevedo, Junqueira Freire e Casimiro de Abreu -mortos na casa dos 20 anos.
Rodrigo Pontoglio, vítima de um câncer abdominal aos 24 anos, em 2004, poderia se inscrever nessa linhagem. Desconhecido na cena contemporânea, nasce agora como poeta no volume "colibrilhos&colibreus", assinado "r. ponts" -título e pseudônimo grafados em minúsculas, referência ao norte-americano e.e. cummings, de quem foi tradutor e admirador.
E seria mais justo com o livro (que o poeta deixou pronto e será lançado no próximo sábado) filiá-lo a essa vertente moderna do que à eloquência romântica.
Não faltam aqui versos de autolamentação: "sim! uma infância infeliz/ e hoje estas células tristes" -mas mesmo esse olhar pessimista carrega algo do desencantamento moderno, na fria imagem médica das células em reprodução maligna.
O título sugere um deslumbramento confirmado pelos poemas iniciais, repletos de estados contemplativos, despedidas de uma natureza idealizada, que beiram o "new age" ("e se o planeta não passasse/ de uma esférica borboleta"; "ser semente/ só para um dia/ germinar").
Porém, já nos versos de "Que Nem Leminski" ("quem sabe nem tanto disso/ nem bem surgindo/ já em sumiço") impõe-se uma cifra de ironia pela qual r. ponts desconstrói as circunstâncias da biografia de Rodrigo Pontoglio, sem deixar de ser sua dolorosa tradução.
Aprendido com cummings, é recorrente no livro o procedimento de juntar palavras para criar novas unidades de sentido -como no belíssimo (e também autoirônico) "Poema Trágico: Ai de Mim", no qual as expressões compostas "oca-luz" e "escuro-vazio" se associam à polissemia da palavra "vão"- que ora se substantiva em conotações cósmicas do vazio, ora é terceira pessoa do verbo "ir" (empregado para desdizer um dito popular), desaguando no sentimento da vacuidade que dá cabo a nossas aflições: "é vão/ e tudo é vão/ da oca-luz do brilhante/ ao escuro-vazio do carvão/ (...) vão-se os anéis/ os dedos/ vão-se, também,/ as mãos// tudo o que é/ escorre-se à vanidade/ extinta// só sobra o nada/ o sem bordas/ o incolor/ o vão// mesmo ele/ em vão/ esvai-se".
Nos poemas de maior ousadia formal, r. ponts cria aquilo que chamou de "potenciações", ou seja, versos em que um signo se justapõe a outro como se fosse seu expoente -mas são momentos de experimentação que não puderam ser desenvolvidos por esse poeta que nos deixou um testemunho mais pungente: o experimento do fim.


COLIBRILHOS&COLIBREUS
Autor: r. ponts
Editora: Com-Arte
Quanto: R$ 20 (140 págs.)
Avaliação: bom
Lançamento: sáb., 15/8, às 17h, na biblioteca Alceu Amoroso Lima (r. Henrique Schaumann, 777, São Paulo)




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