São Paulo, sexta, 8 de agosto de 1997.



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Biografia mostra Hirszman ambíguo

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

"Leon Hirszman - O Navegador das Estrelas" (Rocco), que a jornalista e pesquisadora Helena Salem lança dia 14 em Gramado (e dia 26 em São Paulo), é um misto de biografia e análise crítica da obra do cineasta, um dos mais importantes do país.
Nascido em Lins de Vasconcelos, subúrbio carioca, em 1937, filho de judeus poloneses, Hirszman foi um dos expoentes do cinema novo e autor de obras fundamentais como "São Bernardo" (1972), "Eles Não Usam Black-tie" (1981) e "Imagens do Inconsciente" (1985). Morreu de Aids em 1987, pouco antes de completar 50 anos.
Ancorada numa extensa pesquisa e em depoimentos de cerca de 50 pessoas que trabalharam ou conviveram com Hirszman, Helena Salem traça um retrato emocionante do cineasta, tendo como eixo suas condições de judeu e comunista.
A relação de Hirszman com o judaísmo, embora aparentemente ausente de sua obra, merece uma insistência talvez excessiva da autora, ocupando a maior parte dos primeiros capítulos do livro.
Mas não deixa de ser interessante saber que o diretor, apesar de ateu, fez questão de que seu único filho homem fosse circuncidado, segundo o ritual hebraico.
Como não poderia deixar de ser, o relacionamento de Leon Hirszman com a mãe -típica mãe judia- teve papel fundamental em sua formação. O cineasta já tinha mais de 30 anos e sua mãe ainda telefonava para a nora de madrugada, para perguntar se "Leonzinho estava bem agasalhado".
É evidente que um berço como esse teria de deixar marcas. A autora dedica-se a rastreá-las na personalidade e na obra do diretor. E encontra: humor auto-irônico, simpatia pelos marginalizados, sensibilidade para o universo feminino.
O outro lado, igualmente importante, da formação de Hirszman é sua ligação precoce com a cultura popular e com o marxismo. Criado em Vila Isabel, o cineasta cresceu ouvindo samba e entrou ainda adolescente no PCB.
Nada mais lógico que aderisse ao projeto de cultura nacional-popular em ebulição no final dos anos 50 e se tornasse um dos criadores do Centro Popular de Cultura, ligado à UNE. Mas, como mostra Salem, no movimento Hirszman era o realizador com preocupação estética mais elaborada.
O livro trabalha com habilidade as ambivalências do biografado, sobretudo aquela entre razão e delírio, cerebralismo e desbunde.
Visto como a cabeça mais racional do cinema novo, Hirszman teve também seu lado libertário e transgressor: viveu intensamente a experiência das drogas e do amor livre, e interessou-se profundamente pela loucura.
Não por acaso, seu último e talvez melhor filme, "Imagens do Inconsciente", é um longo documentário sobre artistas esquizofrênicos.
Uma história ilustrativa, entre as inúmeras reveladas no livro: num intervalo das filmagens de "São Bernardo" -um monumento de rigor estético e sociológico-, Hirszman chamou a equipe para um passeio na praia e compartilhou com os interessados uma "viagem" de ácido lisérgico.
O maior mérito de Helena Salem (autora também do melhor livro sobre Nelson Pereira dos Santos) é mostrar a coerência essencial dessa figura humana imensa, múltipla e desconcertante.

Livro: Leon Hirszman - O Navegador das Estrelas Autora: Helena Salem Lançamento: Rocco Quanto: R$ 32 (327 págs.)


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