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Biografia mostra Hirszman ambíguo
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
"Leon Hirszman - O Navegador
das Estrelas" (Rocco), que a jornalista e pesquisadora Helena Salem
lança dia 14 em Gramado (e dia 26
em São Paulo), é um misto de biografia e análise crítica da obra do
cineasta, um dos mais importantes
do país.
Nascido em Lins de Vasconcelos,
subúrbio carioca, em 1937, filho de
judeus poloneses, Hirszman foi
um dos expoentes do cinema novo
e autor de obras fundamentais como "São Bernardo" (1972), "Eles
Não Usam Black-tie" (1981) e
"Imagens do Inconsciente"
(1985). Morreu de Aids em 1987,
pouco antes de completar 50 anos.
Ancorada numa extensa pesquisa e em depoimentos de cerca de 50
pessoas que trabalharam ou conviveram com Hirszman, Helena Salem traça um retrato emocionante
do cineasta, tendo como eixo suas
condições de judeu e comunista.
A relação de Hirszman com o judaísmo, embora aparentemente
ausente de sua obra, merece uma
insistência talvez excessiva da autora, ocupando a maior parte dos
primeiros capítulos do livro.
Mas não deixa de ser interessante
saber que o diretor, apesar de ateu,
fez questão de que seu único filho
homem fosse circuncidado, segundo o ritual hebraico.
Como não poderia deixar de ser,
o relacionamento de Leon Hirszman com a mãe -típica mãe judia- teve papel fundamental em
sua formação. O cineasta já tinha
mais de 30 anos e sua mãe ainda
telefonava para a nora de madrugada, para perguntar se "Leonzinho estava bem agasalhado".
É evidente que um berço como
esse teria de deixar marcas. A autora dedica-se a rastreá-las na personalidade e na obra do diretor. E encontra: humor auto-irônico, simpatia pelos marginalizados, sensibilidade para o universo feminino.
O outro lado, igualmente importante, da formação de Hirszman é
sua ligação precoce com a cultura
popular e com o marxismo. Criado
em Vila Isabel, o cineasta cresceu
ouvindo samba e entrou ainda
adolescente no PCB.
Nada mais lógico que aderisse ao
projeto de cultura nacional-popular em ebulição no final dos anos
50 e se tornasse um dos criadores
do Centro Popular de Cultura, ligado à UNE. Mas, como mostra
Salem, no movimento Hirszman
era o realizador com preocupação
estética mais elaborada.
O livro trabalha com habilidade
as ambivalências do biografado,
sobretudo aquela entre razão e delírio, cerebralismo e desbunde.
Visto como a cabeça mais racional do cinema novo, Hirszman teve também seu lado libertário e
transgressor: viveu intensamente a
experiência das drogas e do amor
livre, e interessou-se profundamente pela loucura.
Não por acaso, seu último e talvez melhor filme, "Imagens do Inconsciente", é um longo documentário sobre artistas esquizofrênicos.
Uma história ilustrativa, entre as
inúmeras reveladas no livro: num
intervalo das filmagens de "São
Bernardo" -um monumento de
rigor estético e sociológico-,
Hirszman chamou a equipe para
um passeio na praia e compartilhou com os interessados uma
"viagem" de ácido lisérgico.
O maior mérito de Helena Salem
(autora também do melhor livro
sobre Nelson Pereira dos Santos) é
mostrar a coerência essencial dessa figura humana imensa, múltipla
e desconcertante.
Livro: Leon Hirszman - O Navegador das
Estrelas
Autora: Helena Salem
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 32 (327 págs.)
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