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Manual para aspirante a escritor é pura comédia
especial para a Folha
Nunca tinha
lido um manual
para quem quer
se tornar escritor até "O Escritor de
Fim-de-Semana - Como Escrever um Romance com Criatividade em 52 Fins-de-Semana"
(editora Ática), de Robert J. Ray,
cair nas minhas mãos.
Sempre tive a maior curiosidade
sobre os conselhos que esses manuais podiam dar. E confesso que
foi com certa histeria que comecei
a rir já na epígrafe: "Para fulano e
sicrano (...), que me ensinaram
que o escritor nos Estados Unidos
precisa ser roteirista e planejador,
inventor e empreendedor, lapidador de palavras e palhaço".
Se fosse intencional, não seria
tão engraçado. Porque este é um
manual de mercado e marketing,
específico para um determinado
público (o norte-americano), uma
determinada época (hoje) e um
determinado lugar (os Estados
Unidos). Nada tem a ver com literatura.
Só ao abandono das regras pode
corresponder uma verdadeira invenção e liberdade literárias (literatura não tem nada a ver com roteiros de cinema).
Um manual de literatura já seria
grotesco só por ensinar a caricatura das fórmulas narrativas, um
método simplista e simplório de
contar a mesma história de sempre com aparência de novidade
(uma espécie de apropriação pragmática e imbecil das teses estruturalistas pelo mercado editorial),
mas "O Escritor de Fim-de-Semana" vai muito além no gênero. É
pura comédia.
Dá vontade de ficar citando infinitamente, tantas são as pérolas:
"Seu primeiro romance desabrochará como um lótus a partir de
algo que você conhece e ama: uma
pessoa, um lugar..."; "Você vai
precisar de um caderno, de um lápis ou caneta. Escrevo com uma
Schaefer tinteiro..."; "É excelente
idéia usar Cinderela como personagem-modelo em seu trabalho.
Ela tem tenacidade, ímpeto e uma
força incrível e persistente"; "Feche os olhos e observe sua respiração, inflando e desinflando o peito, enquanto reflete sobre todo o
primeiro ato".
Trata-se, enfim, do manual do
aprendiz de escritor na era da auto-ajuda. Ou seja: um guia para
um sujeito totalmente obtuso,
sem qualquer experiência própria,
um autômato separado do mundo
real e das emoções, incapaz de
sentir ou refletir por conta própria
sobre o que o cerca.
É como se não houvesse mais
verdade, sensibilidade ou vivência, só técnica, mercado e marketing, quando o que caracteriza o
verdadeiro escritor é justamente
sua capacidade de escapar ao lugar-comum para, com uma percepção do mundo que é só sua,
abrir um outro caminho para o
entendimento das coisas. Um caminho que os manuais desse tipo
tentam fechar com os conselhos
mais idiotas -e, neste caso, hilariantes:
"Para montar imagens literárias, é interessante estudar a arte
de escritores profissionais. Eles o
fizeram. Você também pode fazê-lo. Basta combinar um verbo
forte (lançar) com substantivos
concretos (retângulo, mesa, camada, poeira). Depois, adicionam-se expressões adjetivas marcantes, que dão colorido à imagem
(cor de mel) ou um determinado
traço de riqueza (tampo de vidro
da mesinha de centro). Para gerar
ritmo, é importante alternar uma
imagem forte (o sol lançando um
retângulo sobre a mesa) com uma
fraca oração concessiva (concessivo é relativo a concessão, com o
sentido de "ceder a')".
Não seria nada absurdo confundir tal citação com um trecho
qualquer de uma peça de Ionesco.
(BERNARDO CARVALHO)
Livro: O Escritor de Fim-de-Semana -
Como Escrever um Romance com
Criatividade em 52 Fins-de-Semana
Autor: Robert J. Ray
Lançamento: Ática
Quanto: R$ 29,90 (292 págs.)
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