|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CARLOS GOMES"
Livro retoma as mudanças na percepção consensual sobre o músico
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Carlos Gomes (1836-1896)
tem sido vítima sistemática
de dois exageros construídos em
sentidos opostos: aquele que o supervaloriza como glória estética
nacional e aquele que o caricatura
como um compositor de harmonia desprovida de vínculos com a
alma cultural brasileira.
O crítico e professor Lorenzo
Mammì, 44, da USP, não comete
nenhum desses pecados nas 99
páginas de seu "Carlos Gomes",
que a editora Publifolha está lançando na coleção Folha Explica.
Ao contrário, ele retoma, ao longo
do tempo, as mudanças na percepção consensual sobre o músico campineiro para esboçar as diferentes imagens do Brasil diante
de seu próprio espelho.
A reputação de Gomes sofreu
dois tombos doloridos. A República o privou da proteção de d.
Pedro 2º e fechou-lhe as portas a
empregos públicos de prestígio
no Rio, quando, após duas décadas de Itália, não foi ele, mas sim
Giacomo Puccini, quem se firmou no mundo lírico como o descendente rebelde de Verdi.
O segundo tombo veio com o
movimento modernista, no qual
prevalecia a convicção -excludente- de que a música erudita
deveria se alimentar nas fontes da
cultura local. Data de então a visão de que Peri, herói da ópera "Il
Guarany" (1870), não passava de
um personagem burlesco, porque
"índio não canta em italiano".
Em verdade, argumenta Lorenzo Mammì, foram de Gomes "as
primeiras composições eruditas
que a nação brasileira reconheceu
como suas" (pág. 91), mesmo se
ele refletia "a fragilidade do projeto cultural em que se apoiava e
que era, substancialmente, o do
Segundo Reinado" (pág. 13).
No processo ainda inconcluso
da construção da identidade nacional, Carlos Gomes foi o primeiro brasileiro glorificado na
Europa, pouco importa que isso
tenha se dado na Itália, que nos
anos 1870-1890 convivia com uma
estética musical mais atrasada
que a francesa ou a alemã.
Precursor de Pelé, Ayrton Senna ou Guga, Carlos Gomes foi objeto de homenagens exacerbadas
ao percorrer o país em 1880. Em
Salvador, um retrato a óleo seu foi
introduzido num teatro, em cerimônia da qual participavam 150
instrumentistas e na qual, em nome do compositor, duas escravas
receberam carta de alforria.
O livro de Lorenzo Mammì, sucinto e erudito, tem como pecado
minúsculo não incluir na discografia de "Il Guarany" a produção
da Ópera de Sófia, sob a regência
de Júlio Medaglia.
Mas faz ao mesmo tempo a colheita de informações biográficas
que permaneceram inéditas até
1996, quando o centenário da
morte do compositor foi o pretexto para novas monografias.
Também retoma, mesmo que
de forma sumária, fatos camuflados pelos hagiógrafos de Carlos
Gomes, como o assassinato de sua
mãe por seu pai, o provável adultério cometido por sua mulher ou
o fato de sua pele azeitonada informar sobre sua ancestralidade
não totalmente européia.
Mammì é igualmente um musicólogo notável. Efetua de cada
uma das óperas uma análise técnica, desapaixonada, em que o
gradativo aperfeiçoamento musical do compositor-que tinha conhecimentos apenas rudimentares de contraponto- se firma na
medida em que, de "A Noite do
Castelo" (1961) à cantata "Colombo" (1892), sua obra evolui e reforça padrões grandiloquentes
que a linguagem lírica italiana tornava ultrapassados.
Carlos Gomes
Autor: Lorenzo Mammì
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (99 págs.)
Texto Anterior: Quem é Svevo: Pseudônimo reúne origens do autor Próximo Texto: Cinema: Veneza anuncia hoje seus vencedores Índice
|