São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2001

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"CARLOS GOMES"

Livro retoma as mudanças na percepção consensual sobre o músico

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Gomes (1836-1896) tem sido vítima sistemática de dois exageros construídos em sentidos opostos: aquele que o supervaloriza como glória estética nacional e aquele que o caricatura como um compositor de harmonia desprovida de vínculos com a alma cultural brasileira.
O crítico e professor Lorenzo Mammì, 44, da USP, não comete nenhum desses pecados nas 99 páginas de seu "Carlos Gomes", que a editora Publifolha está lançando na coleção Folha Explica. Ao contrário, ele retoma, ao longo do tempo, as mudanças na percepção consensual sobre o músico campineiro para esboçar as diferentes imagens do Brasil diante de seu próprio espelho.
A reputação de Gomes sofreu dois tombos doloridos. A República o privou da proteção de d. Pedro 2º e fechou-lhe as portas a empregos públicos de prestígio no Rio, quando, após duas décadas de Itália, não foi ele, mas sim Giacomo Puccini, quem se firmou no mundo lírico como o descendente rebelde de Verdi.
O segundo tombo veio com o movimento modernista, no qual prevalecia a convicção -excludente- de que a música erudita deveria se alimentar nas fontes da cultura local. Data de então a visão de que Peri, herói da ópera "Il Guarany" (1870), não passava de um personagem burlesco, porque "índio não canta em italiano".
Em verdade, argumenta Lorenzo Mammì, foram de Gomes "as primeiras composições eruditas que a nação brasileira reconheceu como suas" (pág. 91), mesmo se ele refletia "a fragilidade do projeto cultural em que se apoiava e que era, substancialmente, o do Segundo Reinado" (pág. 13).
No processo ainda inconcluso da construção da identidade nacional, Carlos Gomes foi o primeiro brasileiro glorificado na Europa, pouco importa que isso tenha se dado na Itália, que nos anos 1870-1890 convivia com uma estética musical mais atrasada que a francesa ou a alemã.
Precursor de Pelé, Ayrton Senna ou Guga, Carlos Gomes foi objeto de homenagens exacerbadas ao percorrer o país em 1880. Em Salvador, um retrato a óleo seu foi introduzido num teatro, em cerimônia da qual participavam 150 instrumentistas e na qual, em nome do compositor, duas escravas receberam carta de alforria.
O livro de Lorenzo Mammì, sucinto e erudito, tem como pecado minúsculo não incluir na discografia de "Il Guarany" a produção da Ópera de Sófia, sob a regência de Júlio Medaglia.
Mas faz ao mesmo tempo a colheita de informações biográficas que permaneceram inéditas até 1996, quando o centenário da morte do compositor foi o pretexto para novas monografias.
Também retoma, mesmo que de forma sumária, fatos camuflados pelos hagiógrafos de Carlos Gomes, como o assassinato de sua mãe por seu pai, o provável adultério cometido por sua mulher ou o fato de sua pele azeitonada informar sobre sua ancestralidade não totalmente européia.
Mammì é igualmente um musicólogo notável. Efetua de cada uma das óperas uma análise técnica, desapaixonada, em que o gradativo aperfeiçoamento musical do compositor-que tinha conhecimentos apenas rudimentares de contraponto- se firma na medida em que, de "A Noite do Castelo" (1961) à cantata "Colombo" (1892), sua obra evolui e reforça padrões grandiloquentes que a linguagem lírica italiana tornava ultrapassados.

Carlos Gomes     
Autor: Lorenzo Mammì
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (99 págs.)



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