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MEMÓRIA
Georg Solti reinventou a sonoridade sinfônica
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
Georg Solti não foi apenas um
grande maestro. Ele era seguramente o último representante de
uma geração nascida artisticamente no pós-Guerra, e que, herdando o rigor de um Bruno Walter
(1876-1962), de um Arturo Toscanini (1867-1957) ou de um Wilhelm Furtwaengler (1886-1954),
conseguiu reinventar a sonoridade da orquestra sinfônica.
Sua morte, na última sexta-feira,
em Antibes (sul da França), interrompe uma carreira que ele mantinha, aos 84 anos, em constante
ebulição.
Deveria reger amanhã, no Royal
Albert Hall de Londres, um "Réquiem" de Verdi, compositor que
frequentava com a mesma familiaridade de um Wagner, um Beethoven ou de um Richard Strauss.
Solti (pronuncia-se "Chólti")
foi, antes de tudo, um maestro que
não discriminava repertório, desde que a música fosse muitíssimo
bem escrita e lhe deixasse a possibilidade de microdescobertas que
acabavam por montar, no conjunto, uma leitura original.
Judeu, perseguido pelo nazismo,
morreu como o grande intérprete
atual de Richard Strauss
(1864-1949), um dos comandantes
das artes no Terceiro Reich.
De Strauss, já havia gravado uma
antológica versão de "As Quatro
Últimas Canções", com a soprano
Lucia Popp. Recriou novamente a
partitura ao interpretá-la com Kiri
Te Kanawa. O "aprendizado" que
ele deu a ela foi objeto, há alguns
anos, de documentário da BBC.
"Sonoridade Solti"
A discografia registra uma "sonoridade Solti", da mesma forma
que existiu uma "sonoridade Herbert von Karajan" (1908-1989) ou
uma sonoridade Karl Boehm
(1894-1981), dois outros grandes
entre seus contemporâneos.
Na origem dessa sonoridade está
talvez o curto período (1937) em
que ele atuou como assistente de
Toscanini no Festival de Salzburgo. Numa orquestra, nada abaixo
da excelência é tolerável.
Ou ainda: metais, madeiras e
cordas devem ter entre si o mesmo
brilho e afinidade sonora, pouco
importa a relevância de seus naipes e a duração com que eles transportam a melodia em determinados trechos da partitura.
Nos anos 50, Solti tinha a reputação de maestro enfezado. Comprou briga com a orquestra do Covent Garden ao assumir a direção
do teatro londrino em 1961. Impôs
aos músicos uma disciplina que
gerou resistências e demissões.
Ele, que vinha de óperas alemãs
-foi pelas mãos das autoridades
militares americanas que, valorizado por ser judeu, regeu pela primeira vez em Munique, em
1946-, possuía uma visão muito
rígida de como exercer seu comando.
Não precisou repetir a mesma
receita na Sinfônica de Chicago
(1969-1991). Contrariamente ao
que se afirma, a orquestra não
cresceu em suas mãos. Solti a herdou de Kubelick, Fritz Reiner e
Martinon, todos eles grandes regentes.
Mas foi esta sua grande oportunidade de fazer a leitura de partituras não destinadas ao teatro lírico.
Começa uma sucessão maravilhosa de sinfonias de Beethoven, Mahler, Brahms e Bruckner, que têm
como característica comum serem
belos e difíceis.
O consumidor norte-americano
soube valorizar uma forma de interpretação que os menos entendidos consideravam rápida e agradável, e na qual os mais entendidos enxergavam uma grande coerência interna.
Jatinho
Solti se tornou um best seller. De
homem rico, tornou-se milionário. Tinha mansões na Suíça e na
Inglaterra. Comprou jatinho particular. Só Karajan tinha o seu.
Georg Solti foi ainda o maestro
que emergiu no ramo clássico do
showbiz num período de rápidos
avanços técnicos: o LP, a alta fidelidade, o som estéreo e o CD.
Não era, como Karajan, uma
mistura de regente e sonoplasta.
Mas soube criar, nas gravações,
efeitos de movimento dos personagens entre os dois canais da estereofonia que simulava o movimento das vozes dentro do palco.
A partir de "As Valquírias", segundo momento dos quatro que
compõe a "Tetralogia" de Richard Wagner, essa espécie de
efeito especial se junta a outros
planos de excelência de interpretação.
Para os wagnerianos, Solti
-passados quase 50 anos das primeiras sessões de gravação de "O
Ouro do Reno"- ainda é o regente da versão de referência. Pouco
importa os diferenciais que uma
outra versão, a de Pierre Boulez,
trouxe em 1975.
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