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A princesa morreu, viva a princesa
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Dizem que a celebridade é vivida em etapas muito semelhantes às de um paciente de
Aids: revolta, negação e, finalmente, habilidade em negociar
com a sorte.
Diana soube negociar com
habilidade muitas vezes. Numa estação de esqui, colocou a
mão diante da câmera e disse
que estava protegendo seus filhos. Funcionou.
Num outro momento, usou
de astúcia juvenil para escapar
dos fotógrafos: ia à ginástica
sempre com o mesmo modelo e
a mesma cor de roupa, de forma que as fotos de hoje ficassem parecidas com as de ontem, acabando com a febre de
novidades dos paparazzi.
Nem sempre é possível manter esse difícil exercício cotidiano. É um terreno minado,
onde, a qualquer instante, podem explodir os flashes. Em
qualquer esquina, pode-se cair
na emboscada dos tablóides.
Ironicamente, Diana morreu
na França, onde existe uma lei
de proteção à privacidade
mais elaborada do que em outros países. Embora trabalhe
no assunto, prevendo o dia em
que o Brasil queira debater a
privacidade, reconheço que
uma simples lei não resolve o
problema.
Para começar, é preciso ver a
questão da privacidade sem
transformar os paparazzi em
bodes expiatórios da era do espetáculo. Celebridades e políticos precisam da mídia, planejam astuciosamente atraí-la
para seus eventos e acabam
contribuindo para uma atmosfera em que os fatos só se
tornam políticos se forem mediatizados.
Governos, empresas e instituições financeiras ameaçam
mais a privacidade do que os
ruidosos bandos de fotógrafos.
Isto porque operam na surdina, buscando e recolhendo informações sobre a vida das
pessoas, sob o argumento de
que é interesse do Estado ou
mesmo pré-condição para que
se façam empréstimos e outras
transações.
De repente, você está em casa
e recebe um cartão cumprimentando-o por seu aniversário. O remetente é uma empresa com a qual nunca teve relações. Como explicar isso, a não
ser pelo comércio de malas diretas que existe em quase todos
os países, com gente vendendo
endereços e outras informações pessoais sobre possíveis
clientes?
O "farasiaísmo" da grande
imprensa que esnoba os tablóides, ao mesmo tempo que publica suas fotos, é apenas a
ponta do iceberg. A morte de
Diana, os preparativos do enterro, as declarações políticas,
os roteiros turísticos, os cálculos sobre aumento de vendas,
as tentativas de avanço republicano, as manobras defensivas da monarquia inglesa, tudo isso mostra que, no fundo,
são todos paparazzi, querendo
levar sua foto para garantir o
leite das crianças.
Não há paz na vida nem na
morte dos "famapositivos".
Cético sobre saídas imediatas
para o problema, constato que
os mais felizes são os que souberam negociar a cada momento, como se fossem prisioneiros regateando horas de banho de sol, visitas íntimas e
outras necessidades humanas
essenciais.
A tentativa do motorista de
Diana de fugir da perseguição
de motoqueiros busca no fundo voltar ao estágio da negação, da liberdade do anonimato, desejo de quase todos os
amantes. E estava, de uma certa forma, condenada ao fracasso, não só porque os motoqueiros são muito velozes. A
tensão da fuga é tão incômoda
como o assédio das câmeras,
quando a celebridade pára, cede e compra seu direito de
prosseguir em paz.
Os paparazzi colheram a última foto de Diana. Agora
uma multidão de paparazzi
espera por eles para fotografá-los também. Eles acabam de
entrar numa longa cadeia alimentar, serão pulverizados e
transformados em novos produtos, exatamente como Diana o era em vida e continuou
sendo depois de morta.
Não há inocentes nessa história, exceto as crianças, amigos e familiares das celebridades lançados de surpresa na
cadeia. Tudo o que fazemos,
inclusive este artigo, corre o
risco de ser lançado nela. Na
década de 70, alguns teóricos
se dedicaram ao estudo do
"star-system". Outros, como
Jacques Ellul, ao papel da mídia na definição da agenda
política.
Discutiu-se muito mas, na
verdade, o processo passou a
ser visto como algo que está aí,
uma espécie de segunda natureza. Quem sabe agora a superação do episódio possa relançar o debate e melhorar um
pouco não apenas a vida das
celebridades, mas também dos
anônimos expectadores que
experimentam, vicariamente,
suas aventuras?
Por enquanto, a tendência
principal pode ser resumida
assim: a princesa morreu, viva
a princesa. As câmeras estão
inquietas em busca da sucessora.
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