São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2004

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DVD/"RAINHA DIABA"

Filme revela as contradições do regime militar sem se referir a ele

Divulgação
Milton Gonçalves e Odete Lara em cena do filme "Rainha Diaba", de Antonio Carlos da Fontoura


CRÍTICO DA FOLHA

Era a função catártica que mais chamava a atenção em "Rainha Diaba" e que o levou a ser considerado um dos melhores filmes dos anos 70.
Passados 30 anos, convém perguntar se o filme oferece interesse ao espectador de um outro momento. A resposta é sim. Um enfático sim, na verdade. A história da luta controle pelo tráfico de maconha, entre um rei homossexual -a rainha do título- e seus asseclas rebelados revela-se hoje um belo documento sobre o período mais duro do governo militar, embora não se refira em nenhum momento a isso.
No entanto, ela está lá: a disputa sangrenta pelo poder diz respeito no caso não a disputas legítimas que envolvem a sociedade, mas a grupos fechados em si mesmos, cujos objetivos são meramente pessoais. Por desejo ou premonição, o autor Antonio Carlos Fontoura e seu argumentista, Plinio Marcos, captaram muito bem o estado de coisas de um Estado que, por ditatorial, se constitui como organização criminosa.
O interesse atual do filme procede, no mais, justamente da diferença com os filmes feitos no país depois de 1990, que procuram aplainar as contradições e construir um terreno de harmonia. É das cores contrastantes de "Rainha Diaba" que vem em grande parte a percepção de que o conflito não é ocasional, ele é a própria essência desse mundo (o descrito e o mundo em geral). Mas não só delas: a inquietude da câmera, a luz muito seca de José Medeiros -tudo contribui para colocar em relevo as contradições.
Se "Rainha Diaba" não sofre do tecnicismo contemporâneo, em compensação sofre de certas características técnicas da época, a mais evidente delas é a deficiência dos estúdios e da própria concepção de som e, sobretudo no início, certas falhas de figuração.
Isso é muito pouco, no entanto, para retirar interesse de um desses filmes em que tudo se encaixou perfeitamente sob o signo do vermelho (sangue), e um dos raros exemplos de filme que trabalha com contrastes de cor muito acentuados sem tender ao caos cromático.
Ninguém se esquecerá, por fim, de falar do grupo de intérpretes liderado por Milton Gonçalves. Entre eles, Nelson Xavier, Odete Lara, Wilson Grey e Stepan Nercessian compõem tipos realmente admiráveis.
Os extras do filme se caracterizam pelo excesso. Uma versão comentada pelo próprio diretor pode bem servir a propósitos didáticos. Já a entrevista do mesmo, mediada pela de alguns dos participantes do filme, sofre de ser extremamente longa e detalhada, embora detalhes significativos da produção sejam repassados ali ao espectador. (INÁCIO ARAUJO)


Rainha Diaba
    
Produção: Brasil, 1974
Direção: Antonio Carlos Fontoura
Com: Milton Gonçalves, Odete Lara
Distribuidora: Funarte
Quanto: R$ 35,50, em média



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