São Paulo, sábado, 08 de outubro de 2005

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LIVROS

POESIA


Escritor de "O Carteiro e o Poeta" lança suas memórias sobre Pablo Neruda

Skármeta mostra em prosa e poesias o que é ser "nerudiano"

CARLOS EDUARDO ORTOLAN MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alguns escritores transcendem o âmbito literário e atingem a condição de mitos. Tal é o caso de Pablo Neruda, certamente menos lido que conhecido e, se isso faz sentido, admirado: o vate nacional, que traz peregrinos ao seu refúgio final, a célebre Isla Negra, na qual fãs produzem grafites que pregam: "Neruda não é chileno, o Chile é nerudiano".
É neste campo da mitologia da figura carismática, do amante sensual, do homem de esquerda que enfrentou as ditaduras de Franco e Pinochet, que se insere o novo livro de Antonio Skármeta, "Neruda por Skármeta", cujo romance "O Carteiro e o Poeta", que também tem o poeta chileno como personagem central, deu azo ao homônimo sucesso do cinema.
O livro se divide em duas partes: na primeira, memorialística, temos uma miscelânea de suas recordações de Neruda, da iniciação amorosa impulsionada pelos "Vinte Poemas de Amor", uma "Educação Sentimental" tingida de lirismo e nostalgia, até a narrativa dos "faits-divers" de sua amizade com o poeta e das idiossincrasias daquele; a segunda traz uma miniantologia de Neruda, na qual os poemas recebem comentários do romancista chileno.
A seção de memórias traz o que há de mais interessante no livro. Skármeta nos conduz por histórias de amor e alegria, de coragem face aos desafios do tempo, de amizade e grandeza moral, sempre com doses de humor que impedem, na maioria das vezes, que o esforço quase hagiográfico descambe para a idolatria.
Uma das anedotas mais saborosas é a protagonizada pelo escritor mexicano Juan Rulfo, autor do clássico "Juan Páramo" e notório pelo comportamento introspectivo. Apresentado a Rulfo numa festa na Isla Negra, Skármeta pôs-se a tagarelar alegremente sobre a obra do autor, que, como de hábito, entregou-se ao mutismo. Resolveu-se a situação constrangedora pela intervenção sagaz de Neruda, que pediu "a honra da mão de Rulfo sobre seu ombro".
Não se deve esperar, dos comentários apostos por Skármeta aos poemas, a objetividade e o distanciamento da crítica literária. "Nerudiano" assumido, a intenção do autor é a narrativa de uma paixão, e essa se desvela a todo instante em adjetivos como "mestre", "gênio" e similares.
Também não se encontra uma leitura cerrada dos poemas (nem é esse o propósito do livro), mas antes alguma clarificação textual a partir da biografia de Neruda, da história recente do Chile e dos embates com a crítica e outros poetas; aos comentários terrivelmente cáusticos de Vicente Huidobro, o autor responderá com "o humor soberano de Neruda, ao escrever "A Ode à Inveja'".
Em que pesem a simpatia e o humanismo do livro, Neruda está distante da perfeição formal e da genialidade apregoadas pelo autor. Mas devo confessar, com Skármeta, que "Puedo Escribir los Versos Más Tristes Esta Noche" se afixou, de forma indelevável, à minha memória.


Carlos Eduardo Ortolan Miranda é mestrando em literatura brasileira na USP, crítico e tradutor

Neruda por Skármeta
  
Autor: Antonio Skármeta
Tradução: Ari Roitman
Editora: Record
Quanto: R$ 29,90 (272 págs.)


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