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LIVROS
POESIA
Escritor de "O Carteiro e o Poeta" lança suas memórias sobre Pablo Neruda
Skármeta mostra em prosa e poesias o que é ser "nerudiano"
CARLOS EDUARDO ORTOLAN MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Alguns escritores transcendem o âmbito literário e
atingem a condição de mitos. Tal
é o caso de Pablo Neruda, certamente menos lido que conhecido
e, se isso faz sentido, admirado: o
vate nacional, que traz peregrinos
ao seu refúgio final, a célebre Isla
Negra, na qual fãs produzem grafites que pregam: "Neruda não é
chileno, o Chile é nerudiano".
É neste campo da mitologia da
figura carismática, do amante
sensual, do homem de esquerda
que enfrentou as ditaduras de
Franco e Pinochet, que se insere o
novo livro de Antonio Skármeta,
"Neruda por Skármeta", cujo romance "O Carteiro e o Poeta", que
também tem o poeta chileno como personagem central, deu azo
ao homônimo sucesso do cinema.
O livro se divide em duas partes:
na primeira, memorialística, temos uma miscelânea de suas recordações de Neruda, da iniciação amorosa impulsionada pelos
"Vinte Poemas de Amor", uma
"Educação Sentimental" tingida
de lirismo e nostalgia, até a narrativa dos "faits-divers" de sua amizade com o poeta e das idiossincrasias daquele; a segunda traz
uma miniantologia de Neruda, na
qual os poemas recebem comentários do romancista chileno.
A seção de memórias traz o que
há de mais interessante no livro.
Skármeta nos conduz por histórias de amor e alegria, de coragem
face aos desafios do tempo, de
amizade e grandeza moral, sempre com doses de humor que impedem, na maioria das vezes, que
o esforço quase hagiográfico descambe para a idolatria.
Uma das anedotas mais saborosas é a protagonizada pelo escritor
mexicano Juan Rulfo, autor do
clássico "Juan Páramo" e notório
pelo comportamento introspectivo. Apresentado a Rulfo numa
festa na Isla Negra, Skármeta pôs-se a tagarelar alegremente sobre a
obra do autor, que, como de hábito, entregou-se ao mutismo. Resolveu-se a situação constrangedora pela intervenção sagaz de
Neruda, que pediu "a honra da
mão de Rulfo sobre seu ombro".
Não se deve esperar, dos comentários apostos por Skármeta
aos poemas, a objetividade e o
distanciamento da crítica literária. "Nerudiano" assumido, a intenção do autor é a narrativa de
uma paixão, e essa se desvela a todo instante em adjetivos como
"mestre", "gênio" e similares.
Também não se encontra uma
leitura cerrada dos poemas (nem
é esse o propósito do livro), mas
antes alguma clarificação textual a
partir da biografia de Neruda, da
história recente do Chile e dos
embates com a crítica e outros
poetas; aos comentários terrivelmente cáusticos de Vicente Huidobro, o autor responderá com "o
humor soberano de Neruda, ao
escrever "A Ode à Inveja'".
Em que pesem a simpatia e o
humanismo do livro, Neruda está
distante da perfeição formal e da
genialidade apregoadas pelo autor. Mas devo confessar, com
Skármeta, que "Puedo Escribir los
Versos Más Tristes Esta Noche"
se afixou, de forma indelevável, à
minha memória.
Carlos Eduardo Ortolan Miranda é
mestrando em literatura brasileira na
USP, crítico e tradutor
Neruda por Skármeta
Autor: Antonio Skármeta
Tradução: Ari Roitman
Editora: Record
Quanto: R$ 29,90 (272 págs.)
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