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TEATRO
Peça baseada em contos de Monteiro Lobato leva 120 criadores ao largo da Memória para discutir uso do espaço público
"Honestamente" faz mutirão artístico no centro de SP
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Na São Paulo da década de 20, a
polícia era dada a combater o "parasitismo urbano". Até engraxate
tinha de apresentar licença aos
fiscais da prefeitura para "exercer
legalmente a sua profissão". Enquanto isso, a vestal administrativa era carcomida pela corrupção
em seus mais variados graus. Ontem como hoje.
Um recorte da "imoralidade pública" na obra de Monteiro Lobato (1882-1948) inspira a peça "Honestamente", âncora de uma intervenção coletiva de mesmo nome que ocupa o centro paulistano
amanhã, na região do Anhangabaú, com produção do vizinho
Instituto Cultural Capobianco.
Cerca de 120 artistas estão envolvidos no projeto que prevê a
saída de dois cortejos às 11h, um
da Biblioteca Mário de Andrade e
outro do Teatro Municipal, que
convergem para o Largo da Memória, onde a peça será encenada
por volta das 12h de um domingo
de ruas mais vazias.
"Honestamente" é resultado de
oficina de dramaturgia ministrada pela tradutora Christine Röhrig em 2004. Trata-se de livre
adaptação de dois contos de Lobato, "Um Homem Honesto" e
"O Fisco", escritos nos anos 20.
No primeiro, humilde funcionário de repartição pública, que
atende por João Pereira, é motivo
de chacota na família e entre amigos porque encontra um pacote
de dinheiro no trem e o devolve à
polícia. Em casa, não suporta a
pressão e a zombaria da mulher,
uma doceira, e das filhas "desejosas" de tudo que o dinheiro pode.
Bem e Mal materializados para
um desfecho trágico.
Já em "O Fisco", o narrador associa a cidade a um organismo
humano, no qual os passantes,
por exemplo, formam a artéria, e
os gatunos são micróbios perturbadores da ordem.
A dramaturgia traz à tona face
menos conhecida de Lobato, autor consagrado pelas historias infanto-juvenis.
A relação do morador com a cidade e as fissuras antiéticas nos
planos público e privado compõem a narrativa de "Honestamente", chapiscada pelas denúncias de corrupção que abalam o
governo Lula e pelas ações "higienistas" que a gestão José Serra
pratica, segundo críticos à sua administração.
"São Paulo era muito diferente
no início do século 20, mas a desonestidade não mudou", diz Röhrig, 47. "A peça é um grito entalado. Basta ver os cidadãos que estão sendo expulsos dos espaços
públicos, e os moradores cada vez
mais isolados em seus bunkers ou
atrás dos vidros fumês."
Não por acaso, a apresentação
tem cume no largo da Memória,
espaço praticamente abandonado e um literal mictório público.
Coube ao ator e diretor Alvise
Camozzi, 31, italiano que vive em
São Paulo, dar liga ao emaranhado de participações em "Honestamente". Constam os núcleos da
Cia. Paidéia de Teatro (dirigida
por Amauri Falseti, que já encenara a peça no ano passado); a
Cia. Zaum (formada por pacientes do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Água Funda, dirigido por Cássio Santiago);
e Cia. Elevador de Teatro Panorâmico (de Marcelo Lazaratto).
"O projeto impulsiona o questionamento da nossa relação com
o dinheiro", diz Alvise.
O mutirão artístico soma o maracatu do grupo O Imaginário da
Percussão Popular, o coral da Paidéia, a orquestra Olho d'Água e
atores e músicos do Centro Cultural Monte Azul.
A intenção é desenhar um percurso trágico por asfalto e calçadas. Antes, serpenteia a serenidade, a festa e a simetria. Ao fim, há
a conseqüente implosão da harmonia e vem a última parada do
bonde de João Pereira. Tudo por
causa de alguns mil-réis.
Honestamente
Onde: largo da Memória, s/ nš, região
central (mais informações pelo tel. 0/xx/
11/3237-1187)
Quando: amanhã, às 12h. Única
apresentação
Quanto: entrada franca
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