São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2000

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ANÁLISE
Paranóia e inadequação são os temas atuais

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Lou Reed que se apresenta pela segunda vez em São Paulo é o de "Ecstasy", CD que foi majoritariamente esculhambado pela crítica planeta afora.
Tal antipatia talvez se justifique por sua monocromia, pelo aspecto de tédio que atravessa a estrutura musical de cada faixa. A quem queira vê-lo no disco voador Credicard Hall, é preciso estar preparado para o estranhamento.
De resto, o que ficou em segundo plano na rejeição a "Ecstasy" é o bom humor (ranzinza, é verdade) de que Lou investiu cada uma de suas contundentes letras.
Aqui, até já há um certo moralismo que não passava nem em sombras pelo Lou do Velvet ou de "Transformer" (72) e "Berlin" (73). Mas não há desaprumo poético, nem perda da velha e conhecida acidez.
Quanto a isso, "Ecstasy" (sim, você pode pensar na droga de mesmo nome, teime Lou ou não em negar a relação) é um disco sobre paranóia. Já o diz a letra inicial, de "Paranoia Key of E".
Primeiro poeta roqueiro a dissecar a heroína numa canção ("Heroin", 67), faz agora um formulário rabugento/humorado de paranóia, psicose, esquizofrenia, anorexia, dislexia, cleptomania, vertigem e, indiretamente, de remédios e drogas que as controlam e/ou provocam. Lou está em casa.
A seguir, "Mystic Child" examina o comportamento maníaco-depressivo de alguém que está ficando furioso (abstinência?). Passa pela briga de casal em "Mad" (maluco) e sonha visitar Amsterdã e o museu do alucinado Van Gogh em "Modern Dance". Continua em casa, no mundo.
A procura de êxtase -não ecstasy- ("Big Sky") e da paz matrimonial ("Tatters") trazem-no para um domínio mais asséptico, de que Lou se enojava na juventude.
Mas não adianta, ele não consegue se adequar, e dê-lhe ironizar os "Future Farmers of America" e ajustados em geral. Entre letras cortantes e melodias falsamente monocórdicas, o caminho ao êxtase será espinhoso no dia 14.


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