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LITERATURA
"A Caverna", que faz releitura de alegoria criada por Platão, tem lançamento simultâneo no Brasil e em Portugal
Primeiro Saramago pós-Nobel sai no dia 16
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Que Farei com Este Livro?" Esse é o título de um livro de José Saramago e também a primeira pergunta que circulou na redação da
Folha quando a primeira impressão de "A Caverna" chegou aqui,
ontem pela manhã.
A expectativa era grande. Este é
o primeiro romance que o escritor faz depois de ser o pioneiro da
língua portuguesa a vencer um
Nobel de Literatura.
"Que Farei com Este Livro?" A
prova chegou pouco depois das
12h. Pois bem. Vamos correr,
atrasar a edição e distribuir, na
medida do possível, a novidade
aos leitores, que só poderão comprar "A Caverna" no próximo dia
16 de novembro, quando o livro
será publicado simultaneamente
no Brasil e em Portugal.
Saramago não está em casa para
falar sobre sua obra. Ele viajou
ontem ao Chile, para participar da
Feira de Livros de Santiago e para
ganhar mais um título de doutor
honoris causa.
Ele diz que só falará com a imprensa a partir de quinta-feira.
Então vamos aos fatos concretos.
"A Caverna" é o décimo romance de Saramago, 78. É também
um dos que o autor nascido em
Azinhaga diz ter gastado menos
tempo para escrever: oito meses
(o mais dispendioso teria sido
"Levantado do Chão", que o escritor declarou ter levado três
anos para concluir).
Os protagonistas do romance,
que Saramago dedica a sua mulher, Pilar, são um oleiro, chamado Cipriano Algor, um guarda,
Marçal Gacho, duas mulheres,
Isaura e Marta, e um cachorro de
nome Achado.
As 350 páginas do livro tem como ambiente um local chamado
Centro, um prédio de 50 andares
em que todos os moradores têm
suas vidas controladas por câmeras de vídeo.
Dentro dessa construção monumental, há um shopping center, um bingo, um cassino, um
hospital e até jardins suspensos e
uma espécie de Muralha da China. O ambiente é asséptico, sufocante, claustrofóbico.
É para esse espaço, em que não
se vê a luz do Sol ou da Lua, que se
muda o desiludido Cipriano, antigo fabricante de louça artesanal.
Ele vai para lá a convite do genro,
Marçal, guarda do Centro.
Essas são as peças e o tabuleiro
que Saramago usa para construir
um releitura moderna do chamado mito (ou alegoria) da caverna, de Platão.
Em sua famosa alegoria, o pensador grego, inventor do assunto
filosofia tal como o conhecemos,
questiona os limites entre como
as coisas são de fato e como as
apreendemos, o mundo das aparências e o mundo das idéias.
Um grupo de escravos que sempre viveu acorrentado no fundo
de uma caverna escura, sem nenhum contato com a luz, vendo
apenas projeções do que acontece
do lado de fora da gruta, tem um
de seus homens libertado e forçado a andar em direção à luz. As
descrições desse contato doloroso
são recebidas com incredulidade
por aqueles que ficaram acorrentados na escuridão.
A caverna de Saramago funciona nos subsolos de estacionamentos e frigoríficos do tal Centro.
Nas poucas palestras nas quais
mencionou algo sobre seu novo
romance, Saramago disse acreditar que nunca estivemos tão dentro de uma caverna como agora.
Segundo o escritor, estaríamos
igualmente acorrentados, enxergando só as sombras projetadas
de fora de uma profunda e escura
gruta.
Com "A Caverna", ele diz estar
fechando uma espécie de trilogia
humanista, que tem como outros
dois lados os romances "Ensaio
sobre a Cegueira" e "Todos os
Nomes".
Nesse conjunto, Saramago radicaliza no uso de parábolas, de narrações alegóricas. Em "A Caverna" ele chega ao cume desse processo, fazendo uma alegoria de
uma alegoria.
E isso é tudo. Essa é a leitura primeira do romance, complementada por informações divulgadas
pela editora Companhia das Letras, que publica todas as obras de
Saramago no Brasil desde 1988.
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