São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2000

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LITERATURA
"A Caverna", que faz releitura de alegoria criada por Platão, tem lançamento simultâneo no Brasil e em Portugal
Primeiro Saramago pós-Nobel sai no dia 16

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Que Farei com Este Livro?" Esse é o título de um livro de José Saramago e também a primeira pergunta que circulou na redação da Folha quando a primeira impressão de "A Caverna" chegou aqui, ontem pela manhã.
A expectativa era grande. Este é o primeiro romance que o escritor faz depois de ser o pioneiro da língua portuguesa a vencer um Nobel de Literatura.
"Que Farei com Este Livro?" A prova chegou pouco depois das 12h. Pois bem. Vamos correr, atrasar a edição e distribuir, na medida do possível, a novidade aos leitores, que só poderão comprar "A Caverna" no próximo dia 16 de novembro, quando o livro será publicado simultaneamente no Brasil e em Portugal.
Saramago não está em casa para falar sobre sua obra. Ele viajou ontem ao Chile, para participar da Feira de Livros de Santiago e para ganhar mais um título de doutor honoris causa.
Ele diz que só falará com a imprensa a partir de quinta-feira. Então vamos aos fatos concretos.
"A Caverna" é o décimo romance de Saramago, 78. É também um dos que o autor nascido em Azinhaga diz ter gastado menos tempo para escrever: oito meses (o mais dispendioso teria sido "Levantado do Chão", que o escritor declarou ter levado três anos para concluir).
Os protagonistas do romance, que Saramago dedica a sua mulher, Pilar, são um oleiro, chamado Cipriano Algor, um guarda, Marçal Gacho, duas mulheres, Isaura e Marta, e um cachorro de nome Achado.
As 350 páginas do livro tem como ambiente um local chamado Centro, um prédio de 50 andares em que todos os moradores têm suas vidas controladas por câmeras de vídeo.
Dentro dessa construção monumental, há um shopping center, um bingo, um cassino, um hospital e até jardins suspensos e uma espécie de Muralha da China. O ambiente é asséptico, sufocante, claustrofóbico.
É para esse espaço, em que não se vê a luz do Sol ou da Lua, que se muda o desiludido Cipriano, antigo fabricante de louça artesanal. Ele vai para lá a convite do genro, Marçal, guarda do Centro.
Essas são as peças e o tabuleiro que Saramago usa para construir um releitura moderna do chamado mito (ou alegoria) da caverna, de Platão.
Em sua famosa alegoria, o pensador grego, inventor do assunto filosofia tal como o conhecemos, questiona os limites entre como as coisas são de fato e como as apreendemos, o mundo das aparências e o mundo das idéias.
Um grupo de escravos que sempre viveu acorrentado no fundo de uma caverna escura, sem nenhum contato com a luz, vendo apenas projeções do que acontece do lado de fora da gruta, tem um de seus homens libertado e forçado a andar em direção à luz. As descrições desse contato doloroso são recebidas com incredulidade por aqueles que ficaram acorrentados na escuridão.
A caverna de Saramago funciona nos subsolos de estacionamentos e frigoríficos do tal Centro.
Nas poucas palestras nas quais mencionou algo sobre seu novo romance, Saramago disse acreditar que nunca estivemos tão dentro de uma caverna como agora.
Segundo o escritor, estaríamos igualmente acorrentados, enxergando só as sombras projetadas de fora de uma profunda e escura gruta.
Com "A Caverna", ele diz estar fechando uma espécie de trilogia humanista, que tem como outros dois lados os romances "Ensaio sobre a Cegueira" e "Todos os Nomes".
Nesse conjunto, Saramago radicaliza no uso de parábolas, de narrações alegóricas. Em "A Caverna" ele chega ao cume desse processo, fazendo uma alegoria de uma alegoria.
E isso é tudo. Essa é a leitura primeira do romance, complementada por informações divulgadas pela editora Companhia das Letras, que publica todas as obras de Saramago no Brasil desde 1988.


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