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Crítica/DVD/"O Homem que Virou Suco"
Filme sobre preconceito no Brasil continua atual
Rodado no final dos anos 70 por João Batista de Andrade, longa-metragem traz a melhor atuação de José Dumont
KLEBER MENDONÇA FILHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma sessão dupla provocadora juntaria "O
Homem que Virou Suco", filmado há quase 30 anos
por João Batista de Andrade, ao
recente "Estômago" (2006), dirigido por Marcos Jorge.
Os dois têm material rico para uma questão essencial para o
cinema, a representação. Unidos pelo elemento "personagem nordestino", ambos os filmes oferecem leituras distintas
sobre as relações de classe e de
cultura no Brasil. Não é difícil
sentir algo de retrocesso no jeito de olhar.
Ambos lidam com "paraíbas"
num ambiente de Sudeste hostil. No filme de Andrade, há
uma energia política que fortalece o personagem, Heraldo
(José Dumont, no seu melhor
momento).
Esse poeta popular paraibano é dotado de um afiado senso
crítico que testa São Paulo tanto quanto São Paulo o testa.
Sua dignidade vem com uma
raiva espontânea que manda às
favas hierarquias estabelecidas
de classe e de poder. Em "Estômago", suspeita-se de que o
ponto de vista é o de um patrão
pouco razoável para com o seu
personagem serviçal.
Obviamente, são filmes de
eras distintas. Filmado na São
Paulo do final dos anos 70, "O
Homem que Virou Suco" talvez
passaria melhor com "São Paulo S/A" (1965), de Luiz Sergio
Person, outro registro da cidade como estado de espírito.
As imagens cruas são cheias
de uma revolta peculiar à esquerda da época. Detratores
poderão acusar um envelhecimento do material, mas o valor
histórico contextualizado talvez caia melhor.
Floreios dogmáticos como a
representação raivosa de um
personagem americano, chefe
de multinacional, podem ser
facilmente associados à premiação de "O Homem..." no
Festival de Moscou, em 1980,
um dos inúmeros reconhecimentos que o filme teve.
De qualquer forma, hoje, as
linhas gerais do choque entre
mundo pobre e mundo rico
dentro do Brasil continuam
atuais.
João Batista de Andrade prova o quanto estava afiado numa
sequência essencial em que o
poeta trabalhador assiste a um
"audiovisual" de tom empresarial-fascista, parte dos esforços
de contratação para a construção do metrô de São Paulo.
É um filme dentro do filme
que discute não só o preconceito, mas a tentativa de o ambiente dobrar o indivíduo, além da
força mítica de São Paulo em
relação ao brasileiro.
O HOMEM QUE VIROU SUCO
Distribuidora: Original
Quanto: R$ 31,90 (16 anos)
Avaliação: ótimo
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