São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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Crítica/DVD/"O Homem que Virou Suco"

Filme sobre preconceito no Brasil continua atual

Rodado no final dos anos 70 por João Batista de Andrade, longa-metragem traz a melhor atuação de José Dumont

KLEBER MENDONÇA FILHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma sessão dupla provocadora juntaria "O Homem que Virou Suco", filmado há quase 30 anos por João Batista de Andrade, ao recente "Estômago" (2006), dirigido por Marcos Jorge.
Os dois têm material rico para uma questão essencial para o cinema, a representação. Unidos pelo elemento "personagem nordestino", ambos os filmes oferecem leituras distintas sobre as relações de classe e de cultura no Brasil. Não é difícil sentir algo de retrocesso no jeito de olhar.
Ambos lidam com "paraíbas" num ambiente de Sudeste hostil. No filme de Andrade, há uma energia política que fortalece o personagem, Heraldo (José Dumont, no seu melhor momento).
Esse poeta popular paraibano é dotado de um afiado senso crítico que testa São Paulo tanto quanto São Paulo o testa.
Sua dignidade vem com uma raiva espontânea que manda às favas hierarquias estabelecidas de classe e de poder. Em "Estômago", suspeita-se de que o ponto de vista é o de um patrão pouco razoável para com o seu personagem serviçal.
Obviamente, são filmes de eras distintas. Filmado na São Paulo do final dos anos 70, "O Homem que Virou Suco" talvez passaria melhor com "São Paulo S/A" (1965), de Luiz Sergio Person, outro registro da cidade como estado de espírito.
As imagens cruas são cheias de uma revolta peculiar à esquerda da época. Detratores poderão acusar um envelhecimento do material, mas o valor histórico contextualizado talvez caia melhor.
Floreios dogmáticos como a representação raivosa de um personagem americano, chefe de multinacional, podem ser facilmente associados à premiação de "O Homem..." no Festival de Moscou, em 1980, um dos inúmeros reconhecimentos que o filme teve.
De qualquer forma, hoje, as linhas gerais do choque entre mundo pobre e mundo rico dentro do Brasil continuam atuais.
João Batista de Andrade prova o quanto estava afiado numa sequência essencial em que o poeta trabalhador assiste a um "audiovisual" de tom empresarial-fascista, parte dos esforços de contratação para a construção do metrô de São Paulo.
É um filme dentro do filme que discute não só o preconceito, mas a tentativa de o ambiente dobrar o indivíduo, além da força mítica de São Paulo em relação ao brasileiro.


O HOMEM QUE VIROU SUCO
Distribuidora:
Original
Quanto: R$ 31,90 (16 anos)
Avaliação: ótimo



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