São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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Palma de Ouro em Cannes foi negativa

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Tudo que a Vera Cruz sonhou e quase nunca fez, foi Anselmo Duarte que fez: um cinema clássico, mas não acadêmico; filmes com elementos nacionais, mas com alcance internacional.
Tudo que a falta de dinheiro, de tempo e a política interna da companhia de Franco Zampari não chegaram a conseguir, Anselmo Duarte conseguiu.
Talvez isso tenha sido, ao menos em parte, produto de sua formação como ator. Inicialmente galã na Atlântida, onde conheceu a precariedade da produção brasileira, foi depois contratado pela Vera Cruz.
Depois da falência de Zampari, voltou a filmar no Rio, antes de iniciar a carreira como diretor, com a comédia "Absolutamente Certo" (1957).
Anselmo se afastava da tradição da chanchada para experimentar a seara da comédia de costumes, que descrevia com agilidade, humor e senso de observação. Ele próprio fazia o papel principal e, num elenco em que Odete Lara aparecia com destaque, a principal figura cômica era Dercy Gonçalves.
Depois, Anselmo foi a Cannes. Foi quando entendeu, à luz de "Orfeu Negro" (filme de Marcel Camus realizado no Brasil que ganhou a Palma de Ouro de 1959), que a dramaturgia "universal" da Vera Cruz não era o que interessava ao público europeu. E decidiu adaptar a peça "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes.
O filme, de 1962, tem produção de Oswaldo Massaini e, embora use locações naturais (sobretudo o Pelourinho, em Salvador), a estética é bastante tradicional. A história do homem (Leonardo Villar), que tenta pagar sua promessa, de levar uma cruz até o interior de uma igreja, mas é impedido quando o padre descobre que a promessa era para que um burro recuperasse a saúde.
Em vez de fazer bem a Anselmo, a Palma de Ouro teve efeito contrário. Por um lado, passou a ser combatido pelo cinema novo, que via seu triunfo em Cannes como afirmação de uma estética tradicional. Por outro, o filme seguinte, "Vereda da Salvação" (1964) fracassou comercialmente.
Em seguida, Anselmo entra na rota das grandes produções que marcam a virada dos anos 1960/70 no Brasil. Mas nem "Quelé do Pajeú" (1969), nem "Um Certo Capitão Rodrigo" (1971) acrescentam nada à glória do autor, exceto a crescente fama de diretor irascível. Fama que compartilhava, na vida privada, com a de excelente contador (e também de inventor).
A produção dos anos 70 é pouco representativa, inclusive o populista "O Crime do Zé Bigorna" (1977).
A carreira de Anselmo Duarte como diretor termina melancolicamente com "Os Trombadinhas" (1979), com Pelé no papel principal.
Desta vez o circuito lançador, acanhadíssimo, dava bem ideia do distanciamento entre o ganhador da Palma de Ouro e o público brasileiro. Sua carreira, com oito longas e três episódios, estava terminada.


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