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Palma de Ouro em Cannes foi negativa
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Tudo que a Vera Cruz sonhou e quase nunca fez,
foi Anselmo Duarte que
fez: um cinema clássico, mas
não acadêmico; filmes com elementos nacionais, mas com alcance internacional.
Tudo que a falta de dinheiro,
de tempo e a política interna da
companhia de Franco Zampari
não chegaram a conseguir, Anselmo Duarte conseguiu.
Talvez isso tenha sido, ao
menos em parte, produto de
sua formação como ator. Inicialmente galã na Atlântida,
onde conheceu a precariedade
da produção brasileira, foi depois contratado pela Vera Cruz.
Depois da falência de Zampari, voltou a filmar no Rio, antes
de iniciar a carreira como diretor, com a comédia "Absolutamente Certo" (1957).
Anselmo se afastava da tradição da chanchada para experimentar a seara da comédia de
costumes, que descrevia com
agilidade, humor e senso de observação. Ele próprio fazia o
papel principal e, num elenco
em que Odete Lara aparecia
com destaque, a principal figura cômica era Dercy Gonçalves.
Depois, Anselmo foi a Cannes. Foi quando entendeu, à luz
de "Orfeu Negro" (filme de
Marcel Camus realizado no
Brasil que ganhou a Palma de
Ouro de 1959), que a dramaturgia "universal" da Vera Cruz
não era o que interessava ao
público europeu. E decidiu
adaptar a peça "O Pagador de
Promessas", de Dias Gomes.
O filme, de 1962, tem produção de Oswaldo Massaini e, embora use locações naturais (sobretudo o Pelourinho, em Salvador), a estética é bastante
tradicional. A história do homem (Leonardo Villar), que
tenta pagar sua promessa, de
levar uma cruz até o interior de
uma igreja, mas é impedido
quando o padre descobre que a
promessa era para que um burro recuperasse a saúde.
Em vez de fazer bem a Anselmo, a Palma de Ouro teve efeito
contrário. Por um lado, passou
a ser combatido pelo cinema
novo, que via seu triunfo em
Cannes como afirmação de
uma estética tradicional. Por
outro, o filme seguinte, "Vereda
da Salvação" (1964) fracassou
comercialmente.
Em seguida, Anselmo entra
na rota das grandes produções
que marcam a virada dos anos
1960/70 no Brasil. Mas nem
"Quelé do Pajeú" (1969), nem
"Um Certo Capitão Rodrigo"
(1971) acrescentam nada à glória do autor, exceto a crescente
fama de diretor irascível. Fama
que compartilhava, na vida privada, com a de excelente contador (e também de inventor).
A produção dos anos 70 é
pouco representativa, inclusive
o populista "O Crime do Zé Bigorna" (1977).
A carreira de Anselmo Duarte como diretor termina melancolicamente com "Os Trombadinhas" (1979), com Pelé no
papel principal.
Desta vez o circuito lançador,
acanhadíssimo, dava bem ideia
do distanciamento entre o ganhador da Palma de Ouro e o
público brasileiro. Sua carreira,
com oito longas e três episódios, estava terminada.
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