São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2000 |
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CRÍTICA Emoções desnudadas são mais pornográficas que o sexo FLÁVIA CESARINO COSTA ESPECIAL PARA A FOLHA É bem mais fácil relembrar, com nostalgia, o momento de fracasso de um antigo relacionamento do que enfrentar os imprevistos de um envolvimento afetivo justo no momento em que ele acontece. Essa parece ser a idéia-chave de "Uma Relação Pornográfica". Ao contrário do que se esperaria diante de um título como esse, o filme revela extremo respeito ao espectador, pela sutileza com que trata a vulnerabilidade e os sentimentos de seus personagens quase anônimos. Tudo começa quando uma mulher madura e desimpedida (Nathalie Baye) publica um anúncio procurando um parceiro mais jovem para realizar uma fantasia sexual. Um homem (Sergi López) responde, eles se encontram num café e logo vão para um hotel próximo. Mas a câmera nos deixa do lado de fora do quarto, no corredor, apenas imaginando a cena. Saindo do hotel, combinam de se encontrar todas as semanas. Se for mostrada, explica o diretor, a fantasia deixa de ser anônima. A história nos é contada em "flashback". "Ele" e "ela" relembram seu recente "affaire", com alguma melancolia, em entrevistas separadas, para um ouvinte que nunca é mostrado. Às vezes relatam versões diferentes. As cenas dos encontros são descritas em "off" pelos amantes. Eles passam a esperar pelos encontros, toda semana, mesmo café, mesmo hotel. Nunca falam de suas vidas pessoais, não sabem seus nomes, mas algo vai se construindo. Decidem abandonar a fantasia inicial e fazer amor da maneira tradicional. Só então nós espectadores passamos a ser admitidos no quarto e vamos testemunhando como os dois passam a se envolver afetivamente. Eis o caráter "pornográfico" da narrativa: as emoções de cada um dos dois são desnudadas pelos seus gestos e olhares. Mas desmentidas por suas palavras. Falam de sexo, mas estão se apaixonando. O contraste entre o que dizem e o que mostram denuncia um afeto que transbordou o planejado. Afinal o projeto era fazer sexo maduro e anônimo, sem as amarras de um compromisso amoroso. Ambos estão se tornando perturbados pela experiência. Quando um homem desmaia no corredor do hotel e ambos o levam ao hospital, a realidade lá fora começa a invadir suas vidas. A pureza dessa relação protegida começa a se perder e ambos precisam decidir o que fazer com ela. Tanto Baye como López são magistrais na tarefa de encarnar as pequeninas alterações da alma e as tentações do auto-engano em seus personagens. O mérito de Fonteyne é construir tudo a partir de dois personagens misteriosos dos quais não sabemos nada, nem mesmo seus nomes, e manter esse anonimato durante todo o filme, fazendo-nos participar também dessa suspensão de identidade que envolve os amantes. O filme cativa porque, além de inteligente, respeita a fragilidade dos sentimentos dos personagens como se fossem os do público. E denuncia uma covardia à qual todos estamos sujeitos, aquela que tem a ver com a velha acomodação diante das mudanças que irrompem no nosso cotidiano. Flávia Cesarino Costa é historiadora de cinema e autora de "O Primeiro Cinema" (Scritta, São Paulo, 1995) Uma Relação Pornográfica Une Liaison Pornographique Direção: Frédéric Fonteyne Produção: França/Bélgica/ Luxemburgo, 1999 Com: Nathalie Baye, Sergi López Quando: a partir de hoje no Cinearte, Jardim Sul e Lumière Texto Anterior: "Uma Relação Pornográfica": Filme torna espectador voyeur da afetividade Próximo Texto: Malandro por malandro Índice |
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