São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"UMA RELAÇÃO PORNOGRÁFICA"

Frédéric Fonteyne defende o diálogo em seu segundo longa, que estréia hoje em SP

Filme torna espectador voyeur da afetividade

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REDAÇÃO

Dizem que "discutir a relação" é um bom jeito de perturbar seu andamento. Pois o diretor belga Frédéric Fonteyne, 32, pretende mostrar em "Uma Relação Pornográfica", seu segundo longa (o primeiro foi "Max et Bobo", de 98), que a ausência de diálogo é que pode atrapalhar.
"Uma Relação Pornográfica" estréia hoje em São Paulo, após ter sido exibido na 24ª Mostra Internacional de Cinema e recebido indicações a prêmios internacionais, como o Leão de Ouro de direção em Veneza, em 99. Fonteyne não levou o prêmio, mas o festival italiano deu aos protagonistas -a francesa Nathalie Baye e o espanhol Sergi López- os prêmios Pasinetti e Volpi de atuação.
O roteiro de Phillipe Blasband, colega de faculdade que se tornou o autor dos filmes de Fonteyne, se calca no talento da veterana Baye e no quase desconhecido López.
Uma mulher de meia-idade e um homem mais jovem se encontram, por meio de um anúncio, para realizar uma fantasia sexual. Passam a se ver semanalmente e, aos poucos, se aproximam, até que se vêem apaixonados. O espectador é introduzido à história por depoimentos dados a um entrevistador que não aparece.
"Como não escrevo, procuro encontrar outras coisas quando filmo, que não as palavras. O que eu gosto na escrita de Blasband é que as pessoas, como na vida, falam muito, mas às vezes dizem o contrário do que pensam", disse Fonteyne à Folha, por telefone, de Bruxelas, onde vive.
O diretor está respondendo à observação de que, apesar de que os dois personagens falam muito, é nos gestos que traem o que sentem. A cada encontro, notamos mudanças graduais no gestual do casal. "O fundamento do filme é o subtexto, o que está por trás do que as pessoas dizem."
A partir das duas versões (separadas e, em alguns detalhes, discrepantes) dadas pelo casal e apesar de eles permanecerem incógnitos -não são ditos seus nomes, idades ou profissão-, o espectador penetra na sua intimidade.
E essa é toda a pornografia do título, sabiamente preservado pelo distribuidor brasileiro. "Pornográfica" é como, no início, os protagonistas tentam qualificar sua experiência -que acaba por se revelar outra coisa. Sexo pouco aparece. A tal fantasia que puxa o gatilho da relação tampouco é revelada -e a curiosidade deixa de incomodar logo que nos vemos no papel de voyeurs da afetividade que se cria entre os dois.
Fonteyne consegue reproduzir no espectador o mesmo desapego às convenções do convívio que se instala entre o casal. Não sabemos nada sobre eles e isso em nada diminui o interesse pela trama.
"São duas pessoas que não sabem nada uma da outra. E, como a razão de seu encontro é realizar uma fantasia sexual, eles não precisam saber o resto. É quase um contrato tácito que eles estabelecem. Assim, toda a relação se concentra no presente. Eles só se podem conhecer pelo que contam, mesmo se são coisas estúpidas, como às vezes quando encontramos alguém e falamos do tempo."
Mas o acordo que, no princípio, parecia proteger o casal se torna uma armadilha. Não saberem de suas vidas fora dos encontros não impede que se apaixonem. E, ao pensarem que, porque se sentem intimamente ligados, sabem o que o outro sente, se enganam.
"Frequentemente tentamos imaginar o que o outro pensa, agimos um pouco como se o outro fosse nós mesmos, fazemos projeções. E nos enganamos muito. Queria mostrar isso para explicar que, se queremos desenvolver uma relação, é preciso falar, mesmo que haja mal-entendidos, que a gente não se compreenda."
Fonteyne brinca o tempo todo com clichês sobre relacionamento amoroso. E, sutilmente, os inverte. Por exemplo, em nenhum momento deixa-se seduzir pelo fato de o filme se passar em Paris, "a cidade dos amantes".
Ele nos deixa apenas perceber o cenário: reconhecemos as entradas típicas do metrô, mas nunca a estação é identificada; notamos que o café e o hotel estão nas imediações da Torre Eiffel, mas só porque um de seus pés aparece num fundo de cena, rapidamente.
"Queria fazer um filme que falasse de um homem, de uma mulher, numa cidade, do modo mais abstrato possível. Escolhi Paris porque todo mundo conhece; assim não se fazem suposições que não tenham a ver com o real tema do filme, que é o encontro deles."
Apesar de ter à mão todos os ingredientes, o que o diretor nos dá não é mais uma história romântica. "Acho que as relações amorosas que a gente vive são muito pouco "filmáveis". Uma história de amor é uma coisa do cotidiano, que muda pouco a pouco, que dura muito e que, talvez, seja menos dramática que uma paixão."





Texto Anterior: Carlos Heitor Cony: Que viva a Espanha e a fúria de sua renascença
Próximo Texto: Crítica: Emoções desnudadas são mais pornográficas que o sexo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.