São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2000

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GASTRONOMIA

Uma chegada do balacobaco

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de longas férias, sobram imagens dispersas. Dos pubs de Oxford sempre em cima da hora de fechar. Um anúncio na porta de um deles: "Precisamos de alguém de natureza alegre e trabalhadora, com muito bom senso, para funcionário de nossa pequeníssima cozinha. Trabalhos em geral e noções básicas de cozinha. É preciso ser capaz de interagir com uma equipe amiga. Não é necessário nenhuma experiência. Favor entrar em contato conosco para conversarmos sobre o emprego. Bom ordenado para a pessoa certa".
Ficamos olhando através do vidro para descobrir o que haveria por trás do discurso. Uma velha implicante "descascando" as garçonetes o tempo todo? Salário baixíssimo? Nada disso?
E, em Londres, a mania do tango. Pode ter coisa mais incrível do que mania de tango na Inglaterra? É uma história comprida que culmina com salões de baile espalhados pela cidade e gente alta, baixa, velha e moça, preta, branca e amarela, pobre e rica, das mais diversas profissões bailando el tango. Empinados como argentinos, o homem conduzindo a mulher com cuidado. Os pares não se conhecem e não conversam durante o baile. Podem ficar seis meses sem fazer a menor amizade, conscientes, no entanto, das habilidades do par, esperando serem tiradas para dançar, sonhando com passos novos, chorando à noite, sem dormir, pensando em piruetas que poderiam ter executado melhor...
Uma viagem é feita dessas pequenas lembranças, bobagens ligadas por um sentimento indefinido de (como dizia Cortázar) "no pertenecer de todo". Que idéia teria sido aquela de alugar casa um oceano a parte da sua, comer milho de outro galinheiro, mudar de língua a cada semana? Só Deus sabe...
Já cheguei, no entanto, direto no verde-amarelo, convidada para ouvir sobre e comer um virado no parque da Água Branca, que acolhia um encontro do projeto "Revelando São Paulo", da Secretaria da Cultura.
Toninho Macedo, presidente da comissão paulista de folclore, escolheu como assunto a comida paulista e especificamente o virado de farinha de milho. Segundo definição colhida por ele, "virado é quarqué comida cardenta misturada no fogo com farinha de milho".
E, ali na frente de um grupo curioso, não só falou muito bem, como "virou" a farinha de milho na galinha ensopada, depois em feijão cheio de caldo. De sobremesa, paçoca de amendoim pilada na hora e servida com banana.
Não poderia haver nada mais radical como a volta às raízes. Em casa, corri a repetir o virado, começando com a galinha de minha mãe, que era frango, e da qual ninguém consegue captar o antigo e perfeito equilíbrio.
Corta-se o frango pelas juntas. Lava-se muito bem. Às vezes ela usava fubá grosso, às vezes limão, para lavar e tirar a morrinha. Jogava fora os pulmões e conservava a moela e o fígado. Batia a faca nos pés e no pescoço para quebrá-los. Retirava os excessos de gordura, inclusive os da moela, e punha na panela. Juntava duas colheres de óleo e ia pondo os pedaços de frango por cima, sem sobrepô-los. Não juntava os miúdos porque miúdos não se refogam, dizia ela.
No começo, vai o fogo alto e o frango corando. Não é preciso mexer, para que os pedaços se conservem inteiros, o que não é fácil com os frangos de granja, muito tenros. Quando estiver corado de um lado, virar para o outro e juntar um alho amassado. Cuidado para não queimar. Quando o fundo da panela estiver marrom, cheio de resíduos, juntar uma xícara (café) de água. São esses resíduos dissolvidos que vão dar gosto ao caldo. Repetir o processo deixando secar e juntando água de novo. Retirar todo o óleo possível, virando a panela. Juntar os miúdos.
Cobrir o frango com água fria e uma colher (chá) de sal. Por cima, um amarrado de salsa e outro de cebolinha. Abaixar o fogo, levar a ferver, provar o sal, tampar a panela e deixar cozinhar por uns 20 minutos. Não deixar a água secar. Se for preciso, aumentá-la.
Por aí parava o frango de minha mãe, que era mineira e o servia com um angu brilhante. Para o virado, é só desfiá-lo, levar de volta à panela com o caldo, e despejar a farinha de milho por cima, no fogo, mexendo delicadamente na hora de comer.
Muito bom voltar à terra com comida típica paulista, principalmente esse virado do balacobaco.

E-mail: ninahort@uol.com.br

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