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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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Considerado o maior gravador popular do Brasil, J. Borges,67, comemora aniversário com ateliê próprio em Pernambuco e expõe em Nova York

A chegada de J. Borges ao apogeu

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A BEZERROS

Parecia difícil chegar ao ateliê do artista. Na véspera, ele recomendara ao repórter: "Quando avistar um posto de gasolina na beira da BR, pare e ligue para mim que eu vou lhe buscar". Nem precisou -o frentista sabia explicar o caminho. "Tá vendo aquela barraquinha vermelha do lado de lá da estrada? Entre na rua de barro pegada nela. Na metade da rua fica a casa dele."
O artista é José Francisco Borges, 67, o J. Borges. A estrada é a BR-232, que corta o Agreste pernambucano, às margens da qual está Bezerros, cidade onde nasceu e até hoje mora o xilogravurista e cordelista, apontado por muitos, incluído o escritor Ariano Suassuna, como o maior gravador popular do país.
O ateliê fica ao lado da casa, num espaçoso terreno de 50 m x 17 m. São ambas construções simples, mas recentes. Só agora, perto dos 70, o artista conseguiu erguer o seu espaço como desejava. A oficina antiga, a Casa de Cultura Serra Negra, também na beira da BR e a pouco metros da atual, ele deixou para os filhos. Eram 26 herdeiros, 18 naturais ("até agora"), seis adotivos. Morreram seis. Dos que restam, três seguem o ofício do pai. Um quarto, Ariano, batizado em homenagem ao escritor, desistiu e tem uma gráfica.
Se é a mostra mais visível do êxito tardio do artista, o novo ateliê -que será inaugurado no dia 20 em festa que celebrará também os seus 68 anos- está longe de ser a mais significativa.
Pouco conhecido no Brasil, Borges vai em abril de 2004 pela sexta vez aos EUA participar de exposições e comandar oficinas de xilogravura (gravura em madeira). Como sempre, vai a Santa Fé, onde está o Museu de Arte Popular do Novo México, em cujo acervo há várias gravuras suas. Desta vez vai também a Nova York, expor no Museu do Barro.
"Quero visitar Nova York. Meu trabalho deve estar conhecido por lá depois da matéria do "New York Times'", afirma, em referência à reportagem sobre ele publicada ano passado no mais influente diário do mundo.
Além dos EUA, Borges já esteve também na Suíça, na França, na Alemanha, em Portugal, em Cuba e na Venezuela. Ilustrou o livro "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano.
Em 1992 fez a primeira viagem internacional e não parou mais. "A base feita muitos anos apareceu agora. Há dez anos eu já era conhecido, mas não tinha condições de fazer isso", diz, apontando para a casa e o ateliê novos.
Não é uma conquista pequena para quem aprendeu a ler com 12 anos e passou só dez meses na escola. Borges cresceu na zona rural de Bezerros, ouvindo o pai ler folhetos. "O cordel era o jornalismo dos sítios, pois só os comerciantes ricos e os fazendeiros tinham rádio. Quando fui para a escola, meu intento era ler cordel."
Aos 20 anos começou a comprar e vender folhetos, atividade que mantém até hoje -ou seja, além de cordelista e gravador, Borges é também um dos poucos revendedores de cordel que resistem no interior pernambucano.
Como autor, seu maior sucesso é o folheto "A Chegada da Prostituta no Céu", de 1981, que vendeu até hoje cerca de 100 mil cópias, numa estimativa informal do autor. "Misturei sacanagem com clero, puta com padre. Aí o povo adora", diverte-se.
Borges -que neste ano resistiu a um infarto e pôs uma ponte de mamária- começou como cordelista e virou gravurista para ilustrar a capa dos próprios folhetos. Nas duas linguagens, aborda o universo sertanejo e cria personagens fantásticas, como o "Monstro do Sertão", animal com um sol no lugar da cabeça, e "A Mulher-Passarinho".
No início, ele próprio achava tudo muito estranho. "Eu fazia umas gravuras muito tronchas. E pensava: "Só podem comprar por gozação, porque isso é muito malfeito". Depois conheci outros artistas primitivistas e descobri que arte moderna é essa loucura. Arte popular também podia ser feita daquela maneira. Se fizesse bem-feito, ninguém ia gostar."
No ano passado, toda essa história foi condensada pelo artista no livro "Memórias e Contos de J. Borges", em edição artesanal -construído com tipos móveis e rodado numa impressora tipográfica de 1913. A obra reúne histórias da vida de Borges, cordéis, gravuras e pensamentos soltos. Na página 67, escreve: "Assim como tudo que faço, nunca tive escola, e sempre o público admira".


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