São Paulo, sexta-feira, 09 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"A Troca"

Eastwood nocauteia público com melodrama ácido e eficaz

Diretor faz polícia, política e medicina terem o peso de monstros de filmes de terror

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Quem se dispõe a pagar cerca de R$ 20 para pouco mais de duas horas num cinema espera em equivalência uma boa história, se possível bem contada.
"A Troca" oferece isso em justas proporções. Como se trata de um título com direção de Clint Eastwood, quem também quer que filmes contem mais que histórias pode encontrar o que procura.
A lista de apelos de "A Troca" não é pequena. Tem Angelina Jolie maquiada com batom vermelho flamejante como mãe sofredora e mulher sacrificada, num papel talhado para o Oscar de melhor atriz. Uma esplendorosa recriação de época que reconstitui a Los Angeles dos anos 20. Uma história emocionante até os ossos sobre crianças desaparecidas, corrupção pública e embates pela justiça em cenas de tribunal. A eficácia dramática de situações "baseadas em fatos reais" cuja função é satisfazer um público que quer "veracidade". E o maestro Eastwood regendo tudo com sua inconfundível vocação de provar que clássico é sinônimo de eterno.
Em comparação com as alturas épicas alcançadas pelo diretor no díptico "A Conquista da Honra"/"Cartas de Iwo Jima" (2006), "A Troca" pode até parecer "menor", algo como um "filme de mulher" dos anos 40, daqueles que converteram Ingrid Bergman, Bette Davis e Joan Crawford em mitos. E é assim que Eastwood demonstra uma de suas astúcias.
Sensibilidade O personagem durão de suas encarnações como ator confundiu a recepção de sua obra como diretor, impedindo que se visse o alcance de sua sensibilidade de cineasta. Desde "Bird" (1988) e, sobretudo, "As Pontes de Madison" (1995), essa faceta se tornou mais evidente, e com ela os papéis femininos ganharam espaço numa filmografia até então predominantemente masculina. Com as mulheres ele encontrou o melodrama, gênero cujos códigos nem disfarçam críticas poderosas, histórias de abusos nas quais, com frequência, a sociedade exibe o que tem de pior.
É nesse sentido que "A Troca" pode ser entendido como veículo. Em vez de servir apenas para Angelina Jolie levar para casa seu Oscar máximo, o filme explora a adesão do público à imagem da estrela para construir em torno dela uma ácida representação da corrupção, na qual a polícia, a política e a medicina ganham o peso de monstros de filmes de terror.
Neste avesso de "mundo perfeito", o quase octogenário Eastwood demonstra que quanto mais vive mais desenvolve a habilidade de nos nocautear com uma sucessão de porradas.


A TROCA
Produção: EUA, 2008
Direção: Clint Eastwood
Com: Angelina Jolie, John Malkovich
Onde: estreia hoje nos cines Cidade Jardim, Metrô Tatuapé e circuito
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: A atriz
Próximo Texto: Crítica/"O Dia em que a Terra Parou": Ficção científica não consegue mais impressionar público
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.