São Paulo, sexta, 9 de janeiro de 1998.




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ANÁLISE
Cineasta do desamor e da angústia

da Reportagem Local

Diretor fetiche para um público repleto de esperanças, desejoso de um cinema possível à margem da produção industrial, Ingmar Bergman, durante anos, foi o soldado que abandonou a batalha, mas continuou, pela lembrança dos atos de heroísmo anteriores, ainda assim honrado.
Por afirmar que nada mais tinha para dizer, Bergman se retirou em 1984. Seus fiéis seguidores, de qualquer maneira, continuaram a ouvir seus ecos.
Eram então notícias esparsas. Um roteiro filmado por outro, dando conta de sua rigorosa e difícil infância na Suécia -ele, nascido em uma família luterana em 1918. Um novo cineasta estaria tentando elucidar um pouco o segredo de sua retirada.
E havia ainda os rumores de que estava agora no teatro, para uma peça ou uma ópera.
Mas em Bergman esse não é o novo território, e sim o antigo, que para ele equivale a uma missão. Entende-se aqui por território o teatro e o mistério que, para ele, eram um mesmo objeto.
O cinema sempre foi um teatro, afirmou tantas vezes. Um teatro de onde (e de maneira até então nunca vista) se desprendiam as imagens, o rigor e a genialidade essencialmente cinematográficas.
Há então "O Sétimo Selo" (1956) e "Morangos Silvestres" (1957), em que se percebe nitidamente de que maneira encena e representa suas dúvidas primordiais, sua ambiciosa investigação metafísica. Bergman quer saber, como todos, o que faz no mundo e se há algo, ou um ser, que determina nossos destinos.
E há também as relações emocionais em plena crise, a política e a psicanálise. Há "Persona" (1966), obra única e ainda hoje um desafio. Nesse filme, Bergman nos conta um pouco da história da humanidade e muito sobre seu duvidoso futuro.
Fala de cinema e seu status de obra de arte. Ilustra a diferença entre o amor e a dependência amorosa e, por fim, lança aos olhos do espectador um mundo de angústia emocional (expressão tão rigorosamente bergmaniana) que, ele sabe, o perseguirá para sempre.
Mas Bergman tem nos mostrado que sobreviverá à sensação de estar acossado. À maneira de seus personagens, vê -e nos mostra- o que pode haver de beleza no incompreensível.
(MARCELO REZENDE)


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