São Paulo, sexta, 9 de janeiro de 1998.




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MÚSICA ERUDITA
Violonista paulista recorre aos manuscritos do compositor brasileiro para reinterpretar sua obra integral
Zanon exibe face inovadora de Villa-Lobos

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
especial para a Folha

O violão é um instrumento sem volume, de repertório insignificante, e que só faz sentido na música popular.
Com seu novo CD, que traz a obra integral de Villa-Lobos para seu instrumento, o violonista Fábio Zanon procura desmentir estas afirmações que, além de afastarem o público, empurram os intérpretes do violão erudito cada vez mais em direção ao caminho do "crossover".
Radicado em Londres desde 91, o paulista Zanon venceu, em 96, os dois principais concursos de violão do mundo: Francisco Tarrega, na Espanha, e Guitar Foundation of America (GFA), nos Estados Unidos.
O problema do volume é resolvido de maneira radical: o disco tem grande presença sonora, e o som do violão enche qualquer sala com facilidade.
A decisão talvez fira as sensibilidades dos puristas, mas o fato é que permite uma maior gama dinâmica ao intérprete, resultando em ganhos evidentes de detalhe e contraste.
O inconveniente das integrais é justamente o fato de elas serem integrais, e terem de conter tudo o que o compositor escreveu - mesmo as obras que não estão à altura de suas páginas mais inspiradas.
É o caso da "Suíte Popular Brasileira", que abre o CD. Trata-se do amálgama de cinco peças do início da carreira de Villa-Lobos; são pobres, sem diferir muito da música popular que era executada no começo do século.
O melhor é programar o disco para ser tocado a partir da sexta faixa, o "Choros nš 1".
A obra homenageia Ernesto Nazareth e tem também forte sabor popular, mas é muito mais elaborada que a "Suíte", trazendo da linguagem musical das ruas mais o caráter brincalhão do que a simplicidade.
Zanon interpreta o "Choros nš 1" no mesmo andamento escolhido por Villa-Lobos em sua gravação da peça. E enfatiza as incontáveis variações de andamento que lhe dão o aspecto de uma longa improvisação.
Já nas obras restantes, os cinco prelúdios e os 12 estudos, a admiração fica, mais do que para o virtuose, para o pesquisador Fábio Zanon.
Os Estudos foram o objeto da dissertação de mestrado de Zanon na Universidade de Londres.
Nesta gravação, o violonista adotou um procedimento mais comum na interpretação de música antiga que na de nosso século: recorreu aos manuscritos do compositor.
Tendo sido Villa-Lobos uma pessoa muito desorganizada e que cuidava pouco da edição de suas obras, a diferença entre os achados de Zanon e o material disponível não é nada desprezível.
Entre os prelúdios, sobressai o de nš 5. O violonista recorreu a uma versão mais radical, arrojada, na qual Villa-Lobos soa, mais que contemporâneo de Nazareth, um precursor da bossa nova.
Mas o destaque são mesmo os 12 estudos, dedicados ao violonista espanhol Andrés Segovia e editados na França pela Max Eschig.
Se a maioria dos instrumentistas coloca apenas alguns dos estudos em seus concertos, Zanon é um dos poucos a programá-los na íntegra.
Ouvindo o disco, é fácil perceber o motivo: ele não encara cada estudo individualmente, mas como parte de um ciclo, que só faz sentido inteiro.
Cheia de erros e procedimentos antiviolonísticos, a edição da Max Eschig sempre obrigou os violonistas a acharem soluções intuitivas e pessoais para a interpretação de cada estudo.
Graças às suas pesquisas, Zanon pôde buscar soluções mais coerentes e próximas das intenções originais do compositor; e as diferenças, principalmente nos estudos nš 10 e 11, são assombrosas.
Com seu novo CD, Fábio Zanon não apenas propõe uma reeducação do ouvido diante de seu instrumento, o violão, mas nos coloca diante de novos aspectos da produção de Villa-Lobos, evidenciando uma face ainda mais inovadora e radical do maior compositor brasileiro.

Disco: "The Complete Solo Guitar Music - Heitor Villa-Lobos"
Artista: Fábio Zanon (violão)
Lançamento: Music Masters
Preço: R$ 22,00 (em média)



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