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MÚSICA ERUDITA
Violonista paulista recorre aos manuscritos do compositor brasileiro para reinterpretar sua obra integral
Zanon exibe face inovadora de Villa-Lobos
IRINEU FRANCO PERPÉTUO
especial para a Folha
O violão é um instrumento sem
volume, de repertório insignificante, e que só faz sentido na música popular.
Com seu novo CD, que traz a
obra integral de Villa-Lobos para
seu instrumento, o violonista Fábio Zanon procura desmentir estas
afirmações que, além de afastarem
o público, empurram os intérpretes do violão erudito cada vez mais
em direção ao caminho do "crossover".
Radicado em Londres desde 91, o
paulista Zanon venceu, em 96, os
dois principais concursos de violão do mundo: Francisco Tarrega,
na Espanha, e Guitar Foundation
of America (GFA), nos Estados
Unidos.
O problema do volume é resolvido de maneira radical: o disco tem
grande presença sonora, e o som
do violão enche qualquer sala com
facilidade.
A decisão talvez fira as sensibilidades dos puristas, mas o fato é
que permite uma maior gama dinâmica ao intérprete, resultando
em ganhos evidentes de detalhe e
contraste.
O inconveniente das integrais é
justamente o fato de elas serem integrais, e terem de conter tudo o
que o compositor escreveu -
mesmo as obras que não estão à
altura de suas páginas mais inspiradas.
É o caso da "Suíte Popular Brasileira", que abre o CD. Trata-se do
amálgama de cinco peças do início
da carreira de Villa-Lobos; são pobres, sem diferir muito da música
popular que era executada no começo do século.
O melhor é programar o disco
para ser tocado a partir da sexta
faixa, o "Choros nš 1".
A obra homenageia Ernesto Nazareth e tem também forte sabor
popular, mas é muito mais elaborada que a "Suíte", trazendo da
linguagem musical das ruas mais o
caráter brincalhão do que a simplicidade.
Zanon interpreta o "Choros nš
1" no mesmo andamento escolhido por Villa-Lobos em sua gravação da peça. E enfatiza as incontáveis variações de andamento que
lhe dão o aspecto de uma longa improvisação.
Já nas obras restantes, os cinco
prelúdios e os 12 estudos, a admiração fica, mais do que para o virtuose, para o pesquisador Fábio
Zanon.
Os Estudos foram o objeto da
dissertação de mestrado de Zanon
na Universidade de Londres.
Nesta gravação, o violonista adotou um procedimento mais comum na interpretação de música
antiga que na de nosso século: recorreu aos manuscritos do compositor.
Tendo sido Villa-Lobos uma
pessoa muito desorganizada e que
cuidava pouco da edição de suas
obras, a diferença entre os achados
de Zanon e o material disponível
não é nada desprezível.
Entre os prelúdios, sobressai o
de nš 5. O violonista recorreu a
uma versão mais radical, arrojada,
na qual Villa-Lobos soa, mais que
contemporâneo de Nazareth, um
precursor da bossa nova.
Mas o destaque são mesmo os 12
estudos, dedicados ao violonista
espanhol Andrés Segovia e editados na França pela Max Eschig.
Se a maioria dos instrumentistas
coloca apenas alguns dos estudos
em seus concertos, Zanon é um
dos poucos a programá-los na íntegra.
Ouvindo o disco, é fácil perceber
o motivo: ele não encara cada estudo individualmente, mas como
parte de um ciclo, que só faz sentido inteiro.
Cheia de erros e procedimentos
antiviolonísticos, a edição da Max
Eschig sempre obrigou os violonistas a acharem soluções intuitivas e pessoais para a interpretação
de cada estudo.
Graças às suas pesquisas, Zanon
pôde buscar soluções mais coerentes e próximas das intenções originais do compositor; e as diferenças, principalmente nos estudos nš
10 e 11, são assombrosas.
Com seu novo CD, Fábio Zanon
não apenas propõe uma reeducação do ouvido diante de seu instrumento, o violão, mas nos coloca
diante de novos aspectos da produção de Villa-Lobos, evidenciando uma face ainda mais inovadora
e radical do maior compositor brasileiro.
Disco: "The Complete Solo Guitar Music -
Heitor Villa-Lobos"
Artista: Fábio Zanon (violão)
Lançamento: Music Masters
Preço: R$ 22,00 (em média)
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