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VÍDEO
"Santo Forte" documenta as crenças do povo
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os documentários do cinema novo impunham um
discurso sociológico marxista sobre o povo brasileiro e sua crença.
A exemplo do cinema-verdade
e ancorado, a princípio, em técnicas de reportagem televisiva,
Eduardo Coutinho desenvolveu
um método fundado no "encontro com o outro", revelando-se o
maior documentarista brasileiro
no simples gesto de restituir a palavra ao povo.
Em "Santo Forte", o "encontro
com o outro" é, sobretudo, o encontro de um ateu com a fé. Encontro selado nessas imagens obsedantes e impossíveis de cômodos vazios, em que Coutinho tenta captar a presença dos espíritos
narrados -"aqui tem uma legião
de espíritos", diz dona Thereza,
"mas a gente não tem vidência
pra perceber".
A religião, apreendida aqui enquanto único movimento sincrético ("é tudo uma bola de neve,
quanto mais você sabe, menos você sabe", diz uma entrevistada
que foi evangélica fanática na infância antes de descobrir a umbanda), é a razão, a lógica de
"Santo Forte".
Coutinho, um mediador ateu,
restitui assim à religião o seu papel central na resistência da cultura e do saber populares diante do
pragmatismo excludente e assassino das elites dirigentes do país
-"se não fosse minha fé, não estaria nem viva", diz dona Quinha.
Coutinho não usurpa nada. Sua
restituição é tripla: em troca da
realização do projeto, ele dá R$ 30
a cada entrevistado, a imagem cedida, ele restitui com uma foto e,
em troca do depoimento, dá voz
àqueles que não têm vez.
Uma lição de simplicidade: partindo sempre dos motes mais amplos (a vinda do papa, em "Santo
Forte", ou o último réveillon do
século, em "Babilônia 2000"), das
perguntas mais básicas e da estética mais simples (ele trabalha o digital como deve ser, pela fixidez),
Coutinho chega sempre ao cerne
das questões. Seus documentários nos ensinam hoje, enfim, como deve ser o casamento ideal entre a televisão e o cinema brasileiros.
(TIAGO MATA MACHADO)
Santo Forte
Direção: Eduardo Coutinho
Produção: Brasil, 1999
Distribuidora: Riofilme
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