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LIVROS/LANÇAMENTOS
"L'ILE DESERTE ET AUTRES TEXTES"
Volume, organizado por David Lapoujade, reúne ensaios, entrevistas e artigos
Deleuze inédito chega a livrarias francesas
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
Chegou nesta semana às livrarias francesas um grosso volume
de ensaios, entrevistas e artigos
inéditos, raros ou pouco conhecidos, do filósofo Gilles Deleuze
(1925-1995), um pensador cuja influência não pára de crescer. "L'Île Deserte et Autres Textes" (A
Ilha Deserta e Outros Textos) forma um conjunto extraordinário,
que abarca de 1953 a 1974. Um segundo volume, "Dois Regimes de
Loucos", será publicado em 2003.
Há textos surpreendentes, como uma releitura perversa de
Rousseau ("Jean-Jacques Rousseau, Precursor de Kafka, de Céline e de Ponge", 62), um elogio a
Sartre ("Ele Foi Meu Mestre", 64),
uma "Filosofia da Série Negra",
sobre a coleção de livros policiais
(66), ou ainda uma conversa essencial com Foucault ("Os Intelectuais e o Poder", 72), um ensaio
sobre Nietzsche ("Pensamento
Nômade", 73), que é uma das figuras mais constantes dos artigos,
junto com Kafka e Marx.
O organizador do livro é o filósofo David Lapoujade, professor
na Sorbonne, que foi amigo de
Deleuze e é um dos principais especialistas na obra do filósofo.
Leia trechos de sua entrevista.
Folha - O primeiro texto do livro,
o inédito "A Ilha Deserta" é muito
bonito, próximo da prosa poética,
mas misterioso também. Como lê-lo dentro da filosofia de Deleuze?
David Lapoujade - Este texto foi
uma encomenda para o número
especial de uma revista de viagens... Parece-me que, em "A Ilha
Deserta", Deleuze esboça já uma
variação sobre o tema da diferença, que deverá persegui-lo até
"Diferença e Repetição".
A questão que coloca a ilha deserta poderia ser a seguinte: em
que uma ilha deserta constitui
uma diferença em si mesma?
Folha - Há dois textos surpreendentes no livro: sobre Sartre e
Rousseau, figuras pouco presentes
na filosofia deleuzeana. Por que esses filósofos são apenas fulgurações no percurso de Deleuze?
Lapoujade - Você tem razão em
dizer que Sartre e Rousseau são
pouco presentes em Deleuze. Sem
dúvida, Deleuze não era atraído
senão pela perversidade de Rousseau, toda a profunda crueldade
que anima subterraneamente o
discurso virtuoso da "Nova Heloísa". O resto, a saber, o edifício
de seu pensamento político fundado sobre um contrato republicano, deixava Deleuze indiferente. Mas o breve artigo de Deleuze
sobre Rousseau deveria ser prolongado. Seria preciso demonstrar como Rousseau perverteu
sua obra política por intermédio
de sua obra literária, extrai a
crueldade do contrato...
Com Sartre, o problema é um
pouco diferente. Deleuze admirava muito Sartre porque ele liberava a filosofia de seu fechamento
acadêmico. Mesmo a fenomenologia se tornava um pouco viva
nos seus escritos. Seus textos sobre literatura, sobre a atualidade,
seus engajamentos políticos criavam uma "corrente de ar". Enfim,
a filosofia saía da Sorbonne...
Folha - A vulgarização do pensamento deleuzeano está em processo. Nas revistas de arte e nos sites
de vanguarda da internet, artistas
e críticos falam de "velocidades",
"pensamento nômade" etc. Por outro lado, não se vê falar muito da
política de Deleuze-Guattari junto
à esquerda antimundialista, que
trata as coisas muito mais na ótica
de Guy Debord. Como explicar essa
fascinação exercida por Deleuze
junto aos criadores e que não é correspondida da parte dos ativistas
políticos?
Lapoujade - Você compreende
que não posso responder por eles.
Seria interessante perguntar: por
que Debord? O que choca, contudo, é que o novo tipo de luta dos
movimentos antimundialização
-porque é muito novo- não está afastado do que Deleuze e
Guattari pensaram sob o termo
de "rizoma", um sistema de rede
acentradas, fora de todo sistema
de representação, funcionando de
modo ao mesmo tempo local e
global. De outro lado, o caráter
fundamentalmente pragmático
das análises e das ações dos "antimundialistas" parece muito próximo também daquilo que Deleuze e Guattari indicam, sobretudo
quando eles procuram as "linhas
de fuga" de um sistema dado. Estou espantado com aquilo que você me diz de Debord e de sua influência. Seu pensamento é antes
de tudo o de um paranóico: o sistema já venceu sempre o que se
opõe a ele, já recuperou e integrou
sempre aquilo que o contesta. De
onde a idéia de que a luta deve ser
levada sobre um fundo de derrota
primordial. Luta-se, claro, mas
com a idéia de que, de todo modo,
o combate estará perdido antes,
daí uma ironia que se queria
"subversiva" com muito de melancolia. Mas quem não vê que
aquilo com que sonha todo o sistema é triunfar por antecipação
sobre toda luta, toda oposição?
Que ele sonha se tornar mais real
na vida das pessoas do que o próprio poder de resistência ou os
próprios desejos delas? Nós não
vivemos numa sociedade do espetáculo, mas numa sociedade
real, onde as ações são reais, nas
almas e nos corpos. O pragmatismo dos antimundialistas me parece ir num sentido bem oposto
às teses de Debord.
Folha - Se fosse possível escolher
a questão principal, o desafio, que
Deleuze coloca a nossa época, qual
seria?
Lapoujade - Não é preciso muito
trabalho hoje, com o fascismo que
nos impõe a América de Bush, para responder a essa questão. Talvez o mais urgente em filosofia seja tentar fazer da América um objeto filosófico, criar uma espécie
de objeto filosófico monstruoso
que nos daria pontos de apoio para escapar dele, para saber como
resistir e fugir dos modos de vida
que nos são impostos. Mas há
questões possíveis levantadas por
Deleuze e Guattari...
L'ÎLE DESERTE ET AUTRES TEXTES
Autor: David Lapoujade (org.).
Editora: De Minuit.
Quanto: R$ 108 (apenas por encomenda, na livraria Francesa, tel. 0/
xx/11/231-4555; 416 págs.).
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