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Gioconda Belli quer "recosturar"
ligação entre política e literatura
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"A esquerda vive um complexo
de culpa com relação ao romantismo e à utopia", diz a nicaraguense Gioconda Belli, 53. Idealista, a escritora vê com preocupação o pragmatismo dominar o debate político e acha que a literatura deve resgatar seu papel público.
Belli esteve no Brasil na última
semana para participar do Fórum
Social Mundial, em Porto Alegre,
e lançar sua autobiografia, "O País
sob Minha Pele", pela Record.
Premiada com o prestigiado Casa de las Americas (por "Linea de
Fuego", em 1978), a autora foi
também militante da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), que derrubou a ditadura
Somoza na Nicarágua, em 1979.
Leia os principais trechos da entrevista que a escritora nicaraguense concedeu à Folha.
Folha - A literatura latino-americana do século 20 envolveu-se bastante com a militância política. Você se filia a essa tendência. Acha
que isso está mudando?
Gioconda Belli - O que estamos
vendo é uma busca do individual
como tema literário. Não acho
mau que se revalorize isso. É uma
resposta a um pensamento consensual que nos mandava considerar que "individualismo" era
uma má palavra, um desvio "pequeno-burguês". Estamos passando por uma transição para um
pensamento que sintetiza as experiências do passado. Não acredito que a literatura deixará de ser
política. Só penso que será menos
panfletária, mais consciente das
relações entre pessoal e público.
Folha - Por que decidiu escrever
suas memórias?
Belli - Para reivindicar a importância do romantismo na literatura e na política, a importância de
sonhar com coisas impossíveis.
Me sentia farta do "mea-culpa"
tão repetido nos últimos anos,
dessa tendência de muitos de renegar tudo quanto foram e fizeram. Me sinto privilegiada por ter
vivido a revolução. O livro é a história da minha participação, não
como historiadora, mas como alguém que, enquanto atuava, teve
filhos, dúvidas e se apaixonou.
Folha - A revolução sandinista se
transformou num importante símbolo para a esquerda latino-americana no século passado. Acha que
esse símbolo ainda é referência ou
virou uma caricatura?
Belli - Sim, primeiro foi Daniel
Ortega que se transformou em
uma caricatura de si mesmo. Depois, isso aconteceu com o próprio legado da revolução. Mas
creio que até os setores mais anti-sandinistas da Nicarágua atualmente admitem que o sandinismo possibilitou a refundação de
um país, por meio dos processos
eleitorais. Hoje a sociedade civil é
organizada e o governo reconhece sua representatividade. A revolução transcendeu à Frente Sandinista que, como partido, ficou estancado, com um dirigente caudilho que negou ao sandinismo a
possibilidade de evoluir.
Folha - Acha que o discurso tradicional da esquerda está obsoleto?
Belli - A esquerda vive um complexo de culpa com relação ao romantismo e à utopia. É uma lástima, porque o que ela sempre teve
de mais valioso foi o idealismo, a
capacidade de sonhar grandes sonhos, de ser romântica e literária.
Hoje existe uma luta na esquerda
para encontrar coerência entre
discurso e prática. Infelizmente,
aos poucos se caiu no pragmatismo e hoje se acredita que é preciso
abandonar o discurso idealista.
O PAÍS SOB MINHA PELE- El País bajo
Mi Piel.
Autora: Gioconda Belli.
Tradução: Ana Carla Lacerda.
Editora: Record, 2002.
Quanto: R$ 38 (378 págs.).
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