São Paulo, quinta-feira, 09 de fevereiro de 2006

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NINA HORTA

Surpresas de aniversário

Vamos falar de presentes de aniversário. O pai de minha cunhada, numa época da vida, resolveu esta chatice de ficar descobrindo o que poderia agradar ao outro, que tipo de livro, que tipo de xampu, que tipo de chinelo. Dava comida. Comida crua, mesmo, um belo bacalhau, um cupim, pêssegos no auge, e o sucesso era certeiro.
Pois também ganhei presentes de comer e de beber e outros que não cabem na página.
 
Um amigo me mandou uma cachaça maravilhosa. Ele virou cachaceiro (alguns dizem cachacier, mas tenha paciência) já há algum tempo, e desde o primeiro gole fiquei de cabeça enluarada.
"Estou mandando pelo chofer uma cachaça muito especial, julgada pelos especialistas a melhor de todas elas. Explico logo que não a fabriquei e não tenho nenhum mérito na sua qualidade. Tudo o que fiz foi comprar, lá em Salinas, seguramente o melhor terroir de aguardente do Brasil, uma dorna (barril) do dono da Lua Cheia, guardada por mais de 12 anos, e engarrafar o seu limitado conteúdo. Portanto, não existirá outra "Enluarada" -é só essa partida e nada mais. Devo dizer que a cachacinha é unanimidade nacional: todo mundo que já tomou diz que é a melhor já provada. Acho que tive muita sorte. Como a Havana/Anísio Santiago, é engarrafada com cinco anos e meio (50% seis anos mais 50% cinco anos), e como essa propriedade é quase vizinha da Havana e, ainda, como a Lua Cheia sempre foi considerada a vice-melhor, ocorreu que esse "vat", provavelmente devido ao longo envelhecimento, tinha uma cachaça maravilhosa.
Um dia desses conto mais histórias de Salinas e já acrescento que a Anísio Santiago (Havana) não só é a melhor cachaça no comércio (grand cru hors classe) como merece ser. Você não imagina a perfeição, o capricho e a limpeza do sítio onde é fabricada."
Sorte tive eu, que não conheço Salinas, mas gosto de cachaça boa, que veio ter à minha porta sem precisar de grandes viagens neste calorão infernal...
 
A amiga perfeccionista e generosa trouxe um festão, até cajuína, passando por um bolo de morangos e um Prosecco, e um pão com receita, que fez o maior sucesso. Podem pular a leitura e recortar para o dia que quiserem assar um gostosíssimo pão. "Numa bacia, coloco 15 g de fermento fresco e três colheres (sopa) de açúcar. Misturo bem, junto três xícaras de água morna, uma colher (sopa) de sal, meia xícara de manteiga, um ovo e farinha de trigo aos poucos. Vou mexendo com colher de pau e depois uso as mãos. Vou colocando mais farinha até conseguir sovar a massa, sem que ela fique grudando (vai cerca de 1 kg de farinha). Sovo uns dez minutos. Junto à massa uma xícara de castanha-do-pará triturada grosseiramente. Cubro a massa com pano e espero dobrar de volume. Divido em três porções, moldo os pães e coloco em forma untada e enfarinhada. Quando estiverem crescidos de novo, levo ao forno preaquecido bem quente por dez minutos. Abaixo o fogo e deixo assar por mais 50 minutos. Pronto, é só comer."
E comemos dois pães inteirinhos na mesma hora, ainda bem quentes, com uma manteiga boa, ai, ai, ai.
 
O Viajante mandou um presente de "descomer", chegou de Barcelona com uma figurinha de presépio que eu havia muito tempo queria ter, uma miniatura do "caganer", que não se acha em parte nenhuma da iconografia cristã, mas só na escatologia catalã, em que é aceito nos presépios com a maior naturalidade. Olhem a descrição do crítico Robert Hughes, no livro "Barcelona": "Com o gorro vermelho, a barretina, enterrado na cabeça, o homenzinho está de cócoras, com as calças arriadas, e de seu traseiro nu sai um pedacinho de cocô castanho, unindo-o à terra. Ele é o fecundador imemorial...". Miró o pintou no quadro "A Quinta, Montroig". Olhem lá, bem num cantinho, perto da mãe que lava roupa.
 
O Crítico mandou algas e doces deliciosos do Japão. Hão de adivinhar que a surpresa maior de aniversário, o deslumbramento total, para falar a verdade nua e crua, foi o seguro-saúde, que dobrou!
Agora, depois de velha, passei mil anos sem ir ao médico e vejam o que aprontaram... Desculpe, Viajante, mas vou enrolar aquele "caganer" tão bonitinho e mandar para a Omint, com meus agradecimentos.


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