São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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TRECHO

>> Um pagão sensato diria que há algumas pessoas que se pode perdoar e outra que não se pode: um escravo que roubasse vinho poderia ser motivo de riso; um escravo que traísse seu benfeitor poderia ser morto e amaldiçoado mesmo depois de morto.
Na medida em que o ato era perdoável, o homem era perdoável. Isso, mais uma vez, é racional, e até reconfortante; mas é uma diluição. Não deixa espaço para o puro horror perante uma injustiça, como aquele que é uma grande beleza no inocente. E não deixa espaço para a mera ternura pelos homens na qualidade de homens, como a que constitui todo o fascínio do caridoso.
O cristianismo entrou em cena. Entrou em cena de maneira alarmante, com uma espada, e separou uma coisa da outra. Separou o crime do criminoso. Ao criminoso devíamos perdoar até 70 vezes sete. Ao crime não devíamos perdoar de modo algum.
Não bastava que os escravos que roubassem vinho inspirassem em parte ira e em parte bondade. Nós devíamos nos irar muito mais com o furto do que antes e, no entanto, devíamos ser muito mais bondosos para os ladrões do que antes.
Havia espaço para a ira e para o amor sem limites. E quanto mais eu contemplava o cristianismo, tanto mais percebia que, embora ele houvesse estabelecido uma regra e uma ordem, o objetivo principal dessa ordem era permitir espaço para coisas boas sem limites.
Extraído de "Ortodoxia", de G. K. Chesterton.


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