São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Aprendiz do Tempo"

Pitanguy expõe memórias em narrativa afetiva

DO COLUNISTA DA FOLHA

"A prendiz do Tempo", livro de memórias do famoso cirurgião plástico Ivo Pitanguy, é ilustrado por numerosas fotografias do autor. Em quase todas ele aparece sorrindo. Motivos para isso não lhe faltam: se se pode falar de uma existência bem-sucedida, esta é a existência de Pitanguy.
Filho de médico e de uma mãe que adorava, teve uma infância confortável, formou-se em medicina, casou com a mulher que amava e ama, teve filhos e netos, mora numa ilha paradisíaca, pratica esportes, pilota lancha e avião, lê (e lê muito), viaja e, por último, mas não menos importante, é a figura emblemática da cirurgia plástica em nosso mundo.
Essa é a trajetória que, aos 80 anos, Ivo Pitanguy rememora, numa narrativa acessível e não isenta de emoção. Não é pouco o que ele tem a contar: sua carreira o levou a numerosos países, conheceu inúmeras figuras famosas (uma foto mostra-o com o príncipe Charles e a princesa Diana, outra com o pintor Marc Chagall) e teve vivências absolutamente significativas. Tudo ligado à sua especialidade médica que, claramente, resulta de uma vocação.
Desde criança, Pitanguy tinha fascínio por animais, mesmo estranhos -na infância, teve uma jibóia como bicho de estimação. A isso se acrescentou o exemplo do pai, cirurgião-geral, cujo trabalho ele acompanhava. Formado em medicina, Pitanguy fez o que muitos médicos brasileiros fazem: trabalhou em pronto-socorro, fez atendimentos em condições precárias e em lugares perigosos. Mas, então, começou a se interessar por algo que, à época, não era muito valorizado: a cirurgia reparadora.
"Você perde tempo com coisinhas", diziam colegas, para quem salvar vidas era mais importante do que consertar um defeito de nascença. Mas eram "as coisinhas" que atraíam Pitanguy. Uma vez, a caminho de um baile à fantasia, avistou, do carro, um homem portador de um grotesco defeito no nariz.
Parou o carro, saltou e, mesmo fantasiado, tratou de convencer o homem a se operar com ele (o que aconteceu meses depois). Seguiram-se os estágios no exterior, a criação de serviços especializados e o triunfo que todos conhecem.
Uma parte importante do livro é representada pelas reflexões de Pitanguy em torno a seu trabalho. Cirurgia plástica é, em boa parte, diferente da cirurgia geral; se a pessoa tem um tumor que é preciso operar, não haverá muita discussão a respeito. Mas os problemas que levam as pessoas ao cirurgião plástico freqüentemente envolvem um forte componente subjetivo. Nessas circunstâncias, diz Pitanguy, o médico não pode ser apenas o técnico que prestará um serviço; muitas vezes tem de ser o porta-voz da racionalidade.
E cita um exemplo muito ilustrativo de uma norte-americana que o procurou para uma cirurgia nos seios. Eram mamas enormes, e Pitanguy disse que podia reduzir o tamanho delas. Mas, para sua surpresa, não era isso o que a senhora pretendia: ao contrário, ela queria aumentar os seios. O que, quando se considera a fixação nas mamas tão comum na sociedade norte-americana, é até explicável.
Como salienta o autor, o domínio da técnica cirúrgica é apenas um detalhe nesta especialidade. Ao fim e ao cabo, o médico está lidando com seres humanos e precisa entender seus conflitos e suas aspirações. Para isso, "Aprendiz do Tempo" é uma boa, e afetiva, contribuição. (MOACYR SCLIAR)

APRENDIZ DO TEMPO
Autor:
Ivo Pitanguy
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 45 (336 págs.)
Avaliação: bom


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