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Crítica/"Aprendiz do Tempo"
Pitanguy expõe memórias em narrativa afetiva
DO COLUNISTA DA FOLHA
"A prendiz do Tempo", livro de memórias do famoso cirurgião plástico Ivo Pitanguy, é
ilustrado por numerosas fotografias do autor. Em quase todas ele aparece sorrindo. Motivos para isso não lhe faltam: se
se pode falar de uma existência
bem-sucedida, esta é a existência de Pitanguy.
Filho de médico e de uma
mãe que adorava, teve uma infância confortável, formou-se
em medicina, casou com a mulher que amava e ama, teve filhos e netos, mora numa ilha
paradisíaca, pratica esportes,
pilota lancha e avião, lê (e lê
muito), viaja e, por último, mas
não menos importante, é a figura emblemática da cirurgia
plástica em nosso mundo.
Essa é a trajetória que, aos 80
anos, Ivo Pitanguy rememora,
numa narrativa acessível e não
isenta de emoção. Não é pouco
o que ele tem a contar: sua carreira o levou a numerosos países, conheceu inúmeras figuras
famosas (uma foto mostra-o
com o príncipe Charles e a
princesa Diana, outra com o
pintor Marc Chagall) e teve vivências absolutamente significativas. Tudo ligado à sua especialidade médica que, claramente, resulta de uma vocação.
Desde criança, Pitanguy tinha fascínio por animais, mesmo estranhos -na infância, teve uma jibóia como bicho de estimação. A isso se acrescentou
o exemplo do pai, cirurgião-geral, cujo trabalho ele acompanhava. Formado em medicina,
Pitanguy fez o que muitos médicos brasileiros fazem: trabalhou em pronto-socorro, fez
atendimentos em condições
precárias e em lugares perigosos. Mas, então, começou a se
interessar por algo que, à época,
não era muito valorizado: a cirurgia reparadora.
"Você perde tempo com coisinhas", diziam colegas, para
quem salvar vidas era mais importante do que consertar um
defeito de nascença. Mas eram
"as coisinhas" que atraíam Pitanguy. Uma vez, a caminho de
um baile à fantasia, avistou, do
carro, um homem portador de
um grotesco defeito no nariz.
Parou o carro, saltou e, mesmo
fantasiado, tratou de convencer o homem a se operar com
ele (o que aconteceu meses depois). Seguiram-se os estágios
no exterior, a criação de serviços especializados e o triunfo
que todos conhecem.
Uma parte importante do livro é representada pelas reflexões de Pitanguy em torno a
seu trabalho. Cirurgia plástica
é, em boa parte, diferente da cirurgia geral; se a pessoa tem um
tumor que é preciso operar,
não haverá muita discussão a
respeito. Mas os problemas que
levam as pessoas ao cirurgião
plástico freqüentemente envolvem um forte componente
subjetivo. Nessas circunstâncias, diz Pitanguy, o médico não
pode ser apenas o técnico que
prestará um serviço; muitas vezes tem de ser o porta-voz da
racionalidade.
E cita um exemplo muito
ilustrativo de uma norte-americana que o procurou para
uma cirurgia nos seios. Eram
mamas enormes, e Pitanguy
disse que podia reduzir o tamanho delas. Mas, para sua surpresa, não era isso o que a senhora pretendia: ao contrário,
ela queria aumentar os seios. O
que, quando se considera a fixação nas mamas tão comum na
sociedade norte-americana, é
até explicável.
Como salienta o autor, o domínio da técnica cirúrgica é
apenas um detalhe nesta especialidade. Ao fim e ao cabo, o
médico está lidando com seres
humanos e precisa entender
seus conflitos e suas aspirações. Para isso, "Aprendiz do
Tempo" é uma boa, e afetiva,
contribuição.
(MOACYR SCLIAR)
APRENDIZ DO TEMPO
Autor: Ivo Pitanguy
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 45 (336 págs.)
Avaliação: bom
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