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CINEMA/ESTRÉIA
"MOLOCH"
Diretor devolve ao nazista o personagem que ele sonegou
Filme desvenda "Führer" por meio da ficção
TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O cinema clássico, já se disse,
culminou, com a Segunda
Guerra, num modelo teatral-propagandístico que encontra sua
síntese na estetização da política
promovida pelos nazistas.
No colossal teatro guerreiro da
propaganda nazista, Hitler realizava suas ambições artísticas:
concebia dos cenário ao texto. Ele,
que sempre quisera terminar uma
ópera de Wagner, podia protagonizar e dirigir o maior espetáculo
da Terra, a "Guerra Total" anunciada por Goebbels.
É assim que, após a guerra,
Syberberg, expoente do novo cinema alemão, instaura contra Hitler um "processo cinematográfico". Em "Hitler, um Filme da Alemanha", Syberberg enfrenta o
"Führer" de cineasta para cineasta, o que, para ele, equivale a um
conflito entre chefes de Estado.
Pequeno-burgueses, os líderes
nazistas adoravam o cinema e foram, desde sempre, perfeitamente capazes de dele fazer uma arma.
É nesse sentido que a sequência
de "Moloch" em que Hitler dá
uma aula de cinema a Goebbels,
enquanto vemos a sombra do ditador delinear-se sobre a projeção
de um filme de propaganda, fala-nos muito mais de história do que
inúmeros documentários sobre a
Segunda Guerra.
Syberberg costumava dizer que
todas as informações que podemos juntar sobre o tema são inúteis, pois "Hitler está em nós". Sokurov parte, talvez, dessa proposição, para ir mais longe, restituindo Hitler, em "Moloch", à ficção. Era mesmo preciso retomar
de Hitler o que ele nos retirou, o
seu (algo patético) personagem.
Era o que já fazia Chaplin em "O
Grande Ditador", tentando retomar a posse sobre o bigode que
Hitler lhe roubara. Mas o mesmo
cinema falado que tornara obsoleta a arte do comediante já dava
voz a ditadores emergentes como
Hitler, personagens cujo sucesso
seria catastrófico.
Sokurov entendeu que fazer de
Hitler o objeto de um documentário já não basta. Mas, antes de tentar descobrir a verdade desse personagem na ficção, ele se detém
sobre as imagens-fachadas do nazismo: a beleza ariana clássica encarnada por Eva Braun e a pompa
vazia de espaços monumentais
(como essas paisagens retiradas
dos quadros de Caspar David
Friedrich, o pintor romântico cultuado pelo nazismo). Quadros vivos e naturezas-mortas: atrás destas imagens edificantes do imaginário nazista há um terrível segredo. Sokurov se limita às pistas: o
cheiro de mostarda que acompanha o personagem de Martin Bormann e a palavra que permanece
proibida no frugal jantar da cúpula hitlerista, "Auschwitz".
"O segredo atrás da porta", a
fórmula que melhor define a era
do cinema clássico encontra o seu
desfecho no Holocausto. Em
"Moloch", esse segredo permanece oculto para que Sokurov possa
mergulhar na ficção do amor entre Hitler e Eva Braun, que se autodefine aqui, após surpreender o
amado defecando no banheiro,
como "uma empregada que abriu
a porta errada".
Moloch - Eva Braun e Adolf Hitler na Intimidade
Moloch
Direção: Alexander Sokurov
Produção: Rússia/Alemanha/França, 99
Com: Leonid Mosgovi Mosgovi, Elena
Rufanova
Quando: a partir de hoje no Vitrine
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