São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"MOLOCH"

Diretor devolve ao nazista o personagem que ele sonegou

Filme desvenda "Führer" por meio da ficção

TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cinema clássico, já se disse, culminou, com a Segunda Guerra, num modelo teatral-propagandístico que encontra sua síntese na estetização da política promovida pelos nazistas.
No colossal teatro guerreiro da propaganda nazista, Hitler realizava suas ambições artísticas: concebia dos cenário ao texto. Ele, que sempre quisera terminar uma ópera de Wagner, podia protagonizar e dirigir o maior espetáculo da Terra, a "Guerra Total" anunciada por Goebbels.
É assim que, após a guerra, Syberberg, expoente do novo cinema alemão, instaura contra Hitler um "processo cinematográfico". Em "Hitler, um Filme da Alemanha", Syberberg enfrenta o "Führer" de cineasta para cineasta, o que, para ele, equivale a um conflito entre chefes de Estado. Pequeno-burgueses, os líderes nazistas adoravam o cinema e foram, desde sempre, perfeitamente capazes de dele fazer uma arma.
É nesse sentido que a sequência de "Moloch" em que Hitler dá uma aula de cinema a Goebbels, enquanto vemos a sombra do ditador delinear-se sobre a projeção de um filme de propaganda, fala-nos muito mais de história do que inúmeros documentários sobre a Segunda Guerra.
Syberberg costumava dizer que todas as informações que podemos juntar sobre o tema são inúteis, pois "Hitler está em nós". Sokurov parte, talvez, dessa proposição, para ir mais longe, restituindo Hitler, em "Moloch", à ficção. Era mesmo preciso retomar de Hitler o que ele nos retirou, o seu (algo patético) personagem.
Era o que já fazia Chaplin em "O Grande Ditador", tentando retomar a posse sobre o bigode que Hitler lhe roubara. Mas o mesmo cinema falado que tornara obsoleta a arte do comediante já dava voz a ditadores emergentes como Hitler, personagens cujo sucesso seria catastrófico.
Sokurov entendeu que fazer de Hitler o objeto de um documentário já não basta. Mas, antes de tentar descobrir a verdade desse personagem na ficção, ele se detém sobre as imagens-fachadas do nazismo: a beleza ariana clássica encarnada por Eva Braun e a pompa vazia de espaços monumentais (como essas paisagens retiradas dos quadros de Caspar David Friedrich, o pintor romântico cultuado pelo nazismo). Quadros vivos e naturezas-mortas: atrás destas imagens edificantes do imaginário nazista há um terrível segredo. Sokurov se limita às pistas: o cheiro de mostarda que acompanha o personagem de Martin Bormann e a palavra que permanece proibida no frugal jantar da cúpula hitlerista, "Auschwitz".
"O segredo atrás da porta", a fórmula que melhor define a era do cinema clássico encontra o seu desfecho no Holocausto. Em "Moloch", esse segredo permanece oculto para que Sokurov possa mergulhar na ficção do amor entre Hitler e Eva Braun, que se autodefine aqui, após surpreender o amado defecando no banheiro, como "uma empregada que abriu a porta errada".


Moloch - Eva Braun e Adolf Hitler na Intimidade
Moloch
    
Direção: Alexander Sokurov
Produção: Rússia/Alemanha/França, 99
Com: Leonid Mosgovi Mosgovi, Elena Rufanova
Quando: a partir de hoje no Vitrine




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