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Ligados ao mundo por um prédio que balança e cai
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Estranha conjunção entre
Brasil e mundo nas últimas semanas. O mundo viveu sob o
impacto das armas químicas e
biológicas. Anthrax (Antraz,
em português), Sarin, Botulinum, Aflotoxin são os nomes
que ocuparam as manchetes,
enquanto se negociava com
Saddam Hussein.
Ao impacto biológico no
mundo, o Brasil respondia
com o impacto da física, enchentes devastadoras e queda
do edifício Palace na Barra da
Tijuca.
De fato, seria um luxo preocupar-se, neste momento, com
o que se discutiu no mundo.
Que interesse pode ter para um
brasileiro da Barra da Tijuca,
que vê a implosão de sua janela, as notícias sobre a Cidade
19 na Rússia, onde 64 pessoas
morreram e 96 adoeceram
num vazamento de Antraz?
As calamidades nos afastaram do mundo trágico das armas biológicas. Prodígio da física homicida, Sergio Naya
tentava explicar sua tática de
construção, enquanto os japoneses condenavam a prisão
perpétua os líderes da seita
Aum Shinrikyo, por terem usado sarin no metrô de Tóquio.
Para todos que, de uma certa
maneira, se interessaram pela
luta planetária contra as armas atômicas ou, mesmo os
mais modestos, que comemoraram o acordo banindo as
minas antipessoais que matam
tanta gente no mundo, o que se
discute sobre as armas biológicas é assustador.
O pesadelo toma uma nova
forma, no meu entender bem
caracterizada por Richard
Betts na revista "Foreing Affairs": as novas armas são de
destruição de massa, não destroem o planeta como as armas atômicas, mas podem matar milhões de pessoas com
pouco esforço.
Tanto no campo da química
como no biológico, duas importantes convenções já foram
assinadas, mas estamos longe
de ter completa garantia. Nem
todos os países estão comprometidos. Além disso, o arsenal
biológico é versátil e está ao alcance de grupos terroristas.
Um dos membros da própria
Aum Shinrikyo foi ao Zaire
com a missão de ajudar as vítimas do vírus Ebola. Mas ao
que tudo indica trouxe várias
amostras em sua bagagem.
A insegurança se acentua em
casos como o da própria Rússia. O governo, em 92, anunciava se distanciar da guerra
biológica, enquanto a KGB
continuava suas pesquisas na
região de Sverdlovsk, onde se
acha a Cidade 19.
Durante a Segunda Guerra,
no chamado 731 da Manchúria, os japoneses também fizeram experiência com prisioneiros, injetando botulismo,
encefalite, febre tifóide e varíola. E depois da guerra, os Estados Unidos também desenvolveram seu arsenal, sendo que,
em Umatilla, Oregon, chegaram a concentrar, em números
de 1995, quase 4 mil toneladas,
em Toele, Utah, quase 14 mil,
para citar apenas alguns pontos.
A guerra química e biológica
não é uma novidade. Alguns
fundamentos históricos interessantes estão no livro de Alfred C. Crosby, "Ecological Imperalism - the Biological Expansion of Europe". A análise
que ele faz da chegada da varíola entre os aborígenes australianos talvez pudesse orientar quem se interessa pela chegada do vírus da Aids entre os
ianomamis.
Infelizmente, meu exemplar
do livro de Crosby se molhou
na chuva. Mais uma convergência do biológico que preocupa o mundo com o físico que
nos preocupa no momento.
Fragmentos do bloco de pedra que sustentava a coluna
mestra do Palace foram trazidos para Brasília. Eles se desintegravam na mão. Era estranho vê-los se desintegrando
entre os dedos das vítimas e
depois ver os telejornais mostrando a cidade de São Paulo
se inundar. Nosso drama físico
nos preservou da angústia biológica que o debate mundial
enfocou nas duas últimas semanas. Pode se chamar isto de
consolo?
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