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TEATRO
Encenador grego Theodoros Terzopoulos apresenta "Epigoni", peça baseada em fragmentos de Ésquilo
Diretor defende a tragédia como antídoto à anestesia contemporânea
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Precisamos começar a viver
conflitos, pois conflito significa
diálogo. Vivemos num período
tão ocupados com nós mesmos
que não temos tempo para exercer diálogo", defende o diretor
Theodoros Terzopoulos, 55.
Com a peça "Epigoni", baseada
em fragmentos de Ésquilo, que é
apresentada hoje e amanhã em
São Paulo, o diretor grego busca
levar o espectador a uma reflexão
existencial, que o torne pronto
para exercer o diálogo. Em 1994,
com "Os Persas", também de Ésquilo, Terzopoulos estreou em
São Paulo com seu teatro minimal
e com grande carga dramática, influência do diretor alemão Heiner
Müller, de quem foi assistente de
1972 a 1976 no mítico Berliner Ensemble, fundado por Bertolt
Brecht. Desde 1986, o diretor dirige sua própria companhia, o Attis
Theatre, na Grécia.
Em 2002, Terzopoulos retornou
com "Hércules Enfurecido", de
Eurípides. "São Paulo tem um público contagiante, voltei por convite de Antunes Filho, um grande
amigo e a quem admiro muito",
disse o diretor à Folha, anteontem, durante o ensaio técnico de
"Epigoni". Leia a seguir trechos
da entrevista.
Folha - Por que o sr. escolheu
"Epigoni" e como a desenvolveu?
Theodoros Terzopoulos - O título
vem de uma tragédia perdida de
Ésquilo (cerca de 525 a.C. - cerca
de 456 a.C.), "Epigoni". São apenas cinco linhas e começamos
nossa performance com essas falas. Por isso uso "Epigoni" para
mostrar a síntese que propomos
no palco. Epigoni são as crianças
de "Sete contra Tebas", ninguém
quer essas crianças em Tebas.
Mas nessa performance temos
textos de várias tragédias perdidas, que ninguém conhece. Há alguns anos, na Grécia, alguém tentou fazer uma colagem com esses
fragmentos. No nosso caso, buscamos a síntese, com um trabalho
dramatúrgico baseado numa
idéia: tenho apenas a figura do
homem, em seis personagens, todos tentando provar a Deus que
ele é o responsável pela difícil situação em que se encontram. Esse
é o conflito entre o ser humano e
Deus e, na nossa tragédia, conflito
significa progresso. Não é como
no cristianismo, que evita o conflito entre Deus e as pessoas. Na
tragédia grega, a questão é existencial: do que se tratam as coisas.
Folha - O sr. fala no conflito como
forma de progresso. Vivemos numa época de conflitos. Esse contexto é considerado no espetáculo?
Terzopoulos - Eu não creio que
vivamos um período de conflitos.
Talvez seja o momento que nós
devamos iniciar os conflitos, novamente, pois todo mundo está
ocupado com alguma coisa, com
o consumo, com a ocupação do
Iraque pelos EUA. Estamos sempre ocupados, e conflito significa
diálogo, disputa, confronto. E nós
estamos sempre aceitando tudo, o
consumo, novas formas de vida.
Nos Balcãs, tivemos anos de guerra, e não houve reação, conflito,
pois ele sempre é eliminado de
uma forma muito suave pela televisão. Estamos anestesiados.
Folha - E o teatro pode ter uma
função em iniciar esses conflitos?
Terzopoulos - Na antiga tragédia
grega, pode-se ver isso claramente. O conflito tinha um significado
político, não apenas existencial. A
dramaturgia dos textos clássicos é
muito importante para os nossos
dias. O teatro não pode mudar o
mundo, mas pode ajudar a apontar os problemas. Temos essa nova dramaturgia na Europa que
mais parece um supermercado e
aumenta essa anestesia que vivemos. As tragédias têm por objetivo tornar a figura do ser humano
maior, grande, ativo, energético
no confronto com Deus, ou seja,
com o outro. Temos de ver o outro na forma de Deus.
Folha - Em seu trabalho com os
atores, como isso se desenvolve?
Terzopoulos - O conflito básico
ocorre entre Apolo e Dionísio.
Entre lógica e instinto. Isso é muito importante. Nós aceitamos a
lógica, Apolo, ou aceitamos o instinto, Dionísio. É preciso equilíbrio. O básico em nosso trabalho
é externar energias encerradas, isso significa que temos de externar
instintos e sentimentos com a ajuda de Apolo, da mente. Há vários
exercícios para liberar energia.
Folha - Como, por exemplo?
Terzopoulos - Trabalhamos há
anos com corpo e voz, e para isso
usamos todo o corpo. A palavra
não está apenas na cabeça, mas
por todo o corpo e assim usamos
todas as fontes de energia. Há sete
delas no ser humano. Com isso há
uma colaboração entre todas essas energias.
Folha - Nesse sentido, o uso corpo
é uma estratégia contra a anestesia social?
Terzopoulos - Se conseguimos
estudar nosso corpo, ele pode ser
um elemento revolucionário contra a anestesia. E o corpo humano
tem sido o espelho dessa inflação,
dessa anestesia de hoje. Não vemos mais corpos saudáveis, apenas depressivos, vítimas desse sistema. Se o corpo estiver aberto,
cheio de energia, isso significa que
Dionísio o habita e isso é perigoso, Dionísio sempre foi perigoso.
Folha - Mas há também um corpo
que parece saudável, malhado em
academias...
Terzopoulos - Esse é o corpo dos
limites exteriores, que em grego
dizemos "soma". Se dizemos "Soma", com maiúscula, estamos dizendo do interior, da energia que
vem do centro do corpo, que é a
verdadeira revolução.
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