São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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TEATRO

Encenador grego Theodoros Terzopoulos apresenta "Epigoni", peça baseada em fragmentos de Ésquilo

Diretor defende a tragédia como antídoto à anestesia contemporânea

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Precisamos começar a viver conflitos, pois conflito significa diálogo. Vivemos num período tão ocupados com nós mesmos que não temos tempo para exercer diálogo", defende o diretor Theodoros Terzopoulos, 55.
Com a peça "Epigoni", baseada em fragmentos de Ésquilo, que é apresentada hoje e amanhã em São Paulo, o diretor grego busca levar o espectador a uma reflexão existencial, que o torne pronto para exercer o diálogo. Em 1994, com "Os Persas", também de Ésquilo, Terzopoulos estreou em São Paulo com seu teatro minimal e com grande carga dramática, influência do diretor alemão Heiner Müller, de quem foi assistente de 1972 a 1976 no mítico Berliner Ensemble, fundado por Bertolt Brecht. Desde 1986, o diretor dirige sua própria companhia, o Attis Theatre, na Grécia.
Em 2002, Terzopoulos retornou com "Hércules Enfurecido", de Eurípides. "São Paulo tem um público contagiante, voltei por convite de Antunes Filho, um grande amigo e a quem admiro muito", disse o diretor à Folha, anteontem, durante o ensaio técnico de "Epigoni". Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - Por que o sr. escolheu "Epigoni" e como a desenvolveu?
Theodoros Terzopoulos -
O título vem de uma tragédia perdida de Ésquilo (cerca de 525 a.C. - cerca de 456 a.C.), "Epigoni". São apenas cinco linhas e começamos nossa performance com essas falas. Por isso uso "Epigoni" para mostrar a síntese que propomos no palco. Epigoni são as crianças de "Sete contra Tebas", ninguém quer essas crianças em Tebas. Mas nessa performance temos textos de várias tragédias perdidas, que ninguém conhece. Há alguns anos, na Grécia, alguém tentou fazer uma colagem com esses fragmentos. No nosso caso, buscamos a síntese, com um trabalho dramatúrgico baseado numa idéia: tenho apenas a figura do homem, em seis personagens, todos tentando provar a Deus que ele é o responsável pela difícil situação em que se encontram. Esse é o conflito entre o ser humano e Deus e, na nossa tragédia, conflito significa progresso. Não é como no cristianismo, que evita o conflito entre Deus e as pessoas. Na tragédia grega, a questão é existencial: do que se tratam as coisas.

Folha - O sr. fala no conflito como forma de progresso. Vivemos numa época de conflitos. Esse contexto é considerado no espetáculo?
Terzopoulos -
Eu não creio que vivamos um período de conflitos. Talvez seja o momento que nós devamos iniciar os conflitos, novamente, pois todo mundo está ocupado com alguma coisa, com o consumo, com a ocupação do Iraque pelos EUA. Estamos sempre ocupados, e conflito significa diálogo, disputa, confronto. E nós estamos sempre aceitando tudo, o consumo, novas formas de vida. Nos Balcãs, tivemos anos de guerra, e não houve reação, conflito, pois ele sempre é eliminado de uma forma muito suave pela televisão. Estamos anestesiados.

Folha - E o teatro pode ter uma função em iniciar esses conflitos?
Terzopoulos -
Na antiga tragédia grega, pode-se ver isso claramente. O conflito tinha um significado político, não apenas existencial. A dramaturgia dos textos clássicos é muito importante para os nossos dias. O teatro não pode mudar o mundo, mas pode ajudar a apontar os problemas. Temos essa nova dramaturgia na Europa que mais parece um supermercado e aumenta essa anestesia que vivemos. As tragédias têm por objetivo tornar a figura do ser humano maior, grande, ativo, energético no confronto com Deus, ou seja, com o outro. Temos de ver o outro na forma de Deus.

Folha - Em seu trabalho com os atores, como isso se desenvolve?
Terzopoulos -
O conflito básico ocorre entre Apolo e Dionísio. Entre lógica e instinto. Isso é muito importante. Nós aceitamos a lógica, Apolo, ou aceitamos o instinto, Dionísio. É preciso equilíbrio. O básico em nosso trabalho é externar energias encerradas, isso significa que temos de externar instintos e sentimentos com a ajuda de Apolo, da mente. Há vários exercícios para liberar energia.

Folha - Como, por exemplo?
Terzopoulos -
Trabalhamos há anos com corpo e voz, e para isso usamos todo o corpo. A palavra não está apenas na cabeça, mas por todo o corpo e assim usamos todas as fontes de energia. Há sete delas no ser humano. Com isso há uma colaboração entre todas essas energias.

Folha - Nesse sentido, o uso corpo é uma estratégia contra a anestesia social?
Terzopoulos -
Se conseguimos estudar nosso corpo, ele pode ser um elemento revolucionário contra a anestesia. E o corpo humano tem sido o espelho dessa inflação, dessa anestesia de hoje. Não vemos mais corpos saudáveis, apenas depressivos, vítimas desse sistema. Se o corpo estiver aberto, cheio de energia, isso significa que Dionísio o habita e isso é perigoso, Dionísio sempre foi perigoso.

Folha - Mas há também um corpo que parece saudável, malhado em academias...
Terzopoulos -
Esse é o corpo dos limites exteriores, que em grego dizemos "soma". Se dizemos "Soma", com maiúscula, estamos dizendo do interior, da energia que vem do centro do corpo, que é a verdadeira revolução.



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