São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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LIVRO

Dezesseis escolhidos por rapper para futuro documentário foram assassinados durante pesquisa que originou "Cabeça de Porco"

Entrevistados para filme estão todos mortos

Roberto Price/Folha Imagem
O rapper MV Bill (à esq.) e Luiz Eduardo Soares, que, com Celso Athayde, lançam "Cabeça de Porco", sobre incursões por favelas


DA SUCURSAL DO RIO

A pesquisa de MV Bill e Celso Athayde que originou parte de "Cabeça de Porco" -os ensaios de Luiz Eduardo Soares são a outra parte- já rendeu duas polêmicas. Com o clipe "Soldado do Morro", os dois foram acusados de estarem fazendo apologia ao tráfico de drogas. Acuado, Bill arriscou: foi sem marcar ao encontro do então ministro da Justiça, José Gregori, no Rio, e mostrou o vídeo. Gregori aplaudiu e disse que não via qualquer apologia.
Em 2003, cenas gravadas seriam exibidas no "Fantástico", na Globo. Dois dias antes de o programa ir ao ar, enviaram carta à emissora suspendendo a exibição. Bill nega que tenha sofrido ameaças.
"Preferi usar [as imagens] no meu trabalho. É possível que seja um documentário, mas não sei se vou mostrar na TV, no cinema", diz ele, classificando de "muita responsabilidade" a edição.
"Separei 16 jovens para serem o fio condutor do documentário. À medida que passava o tempo, eles iam morrendo. Até que morreu o último, no ano passado. Não posso ser irresponsável, pegar as imagens e os depoimentos e jogar tudo a esmo, de qualquer maneira."
Escritos em primeira pessoa, os textos de Bill e Athayde sobre suas incursões em várias favelas do país mostram como eles correram riscos. Chegavam aos lugares graças à indicação de conhecidos, mas sem saber o que iam encontrar, apostando na credibilidade do rapper para abrir portas.
"Fomos nos acostumando a conviver com aquilo, a perder a noção do perigo. Só depois é que percebia o que tinha feito. Era comum as lembranças serem acompanhadas de frustração, até depressão. Eu recebia, por exemplo, um telefonema dizendo que o entrevistado da noite anterior tinha morrido. Parece um ciclo que não vai parar nunca", conta Bill.
O tom de desencanto não deixa o rapper de mãos amarradas. Ele é um dos líderes da Cufa (Central Única de Favelas), no Rio, "cidadão do mundo" nomeado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e está envolvido em vários projetos sociais, na Cidade de Deus -onde nasceu e ainda vive- e em outros lugares.
"Quando comparo uma comunidade que tem bons projetos [sociais] e uma que não tem, eu vejo que vale a pena continuar, porque a diferença é muito grande", diz.
Segundo Soares, o livro busca "mostrar que é fácil cair no precipício [do tráfico] mas também é relativamente fácil tirar, salvar".

Cabeça de Porco
Autores:
Luiz Eduardo Soares, MV Bill e Celso Athayde
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34 (296 págs.)


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