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ENSAIO/"A FONTE ENVENENADA"
Obra vê sublimação em Gonçalves Dias
LAWRENCE FLORES PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desde que Sérgio Buarque de
Holanda, em "Raízes do
Brasil", fez lúcidos comentários
sobre o romantismo brasileiro, falar de seus poetas tornou-se dura
tarefa. Um livro novo, "A Fonte
Envenenada" (Nova Alexandria),
de Marcos Flamínio Peres, editor
do caderno Mais!, se arriscou nesse lugar perigoso e fascinante. O
livro analisa três poemas de Gonçalves Dias (1823-1864), "O Mar",
"A Tarde" e "Adeus". São hinos,
devaneios da palavra, que nada
lembram os chamados "problemas identitários".
O crítico dá relevo ao leitmotiv
da natureza na poesia de Gonçalves Dias, colhendo no conceito
schilleriano e no sublime kantiano as duas esferas que regem as
inflexões da sua poesia: se o natural schilleriano expressa a graça
em que o sujeito se abandona à
fusão amigável com a alteridade,
o sublime expressa o conflito em
que ele se vê ameaçado pela natureza. O crítico faz incursões relâmpago no "Don Juan" de lorde
Byron, coleta dele uma cena essencial, retorna para cotejá-la
com Gonçalves Dias. A passagem
é a célebre cena de Haidée, abandono da carne, de plenitude entre
dois amantes. Para o autor, a mesma sensação está em "A Tarde".
Que relação existe entre a narrativa veloz, cheia de verve de lorde
Byron e as construções de nosso
romantismo? O fundo de ressentimento que Byron soube expressar numa "catarse" e que Gonçalves Dias, ambicioso, tinha de
ocultar como um pecado lesa-poesia. Flamínio flagra em uma
carta de Gonçalves Dias uma declaração orgulhosa, pouco sublime e idealizadora: "Esta gente que
se dá comigo não sabe que independência que eu tenho (...) não
sabem que por baixo d'esta máscara de cera que todos me vêem,
há uma vontade inflexível, há
uma estátua de ferro." Palavras
que o crítico esclarece como um
sintoma de arrivismo do gênero
stendhaliano, de um Sorel.
Marcos Flamínio Peres não se limita a estudar os poemas de modo apenas imanente. Ele vê na
abstenção de Gonçalves Dias, na
raridade de "referências" mundanas, um curioso sintoma. Os índices do ressentimento, pessoal e
social, se encontram nas pequenas particularidades dos versos
do poeta, nas suas "mudanças de
humor" ou ainda na espiritualização sofrida pelos conflitos.
Essa espiritualização é explorada por Flamínio: há um limite do
dizer poético que se intensifica no
Brasil pelas limitações de um
mundo em que a promoção dependia do que se dizia diante dos
notáveis. Neste mundo, a sublimação e idealização poéticas
eram a única via possível. Quem
conhece um pouco sobre a vida
de Gonçalves Dias, que viveu em
várias situações como "agregado"
de amigos, como uma espécie de
"bela alma", pode adivinhar com
que tipo de expressão lhe era permitido falar de seu ressentimento,
social e pessoal. A virtude do livro
de Flamínio Peres é reaver os elos
entre figuração poética da natureza, intimidade e subjetividade, entrelaçando essas duas dimensões
com o "momento social" vivido
por Gonçalves Dias.
Lawrence Flores Pereira é crítico e tradutor.
A Fonte Envenenada
Autor: Marcos Flamínio Peres
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 34 (200 págs.)
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