São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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CRÍTICA

"Selva do Meu Desejo" é Amazônia apenas para norte-americano ver

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Uma antropóloga americana vem ao Brasil fazer uma pesquisa para a Universidade Columbia sobre o misticismo tropical. Sua proposta: viajar de Recife ao sudoeste do Amazonas de carro, atravessando a "Transamazônica", para chegar ao Céu do Mapiá, a célebre comunidade base do santo-daime. Para isso, contrata um jovem guia brasileiro de inglês impecável, aluga um Gol 1.0 e vai.
A viagem acontece. A estrada (boa parte do tempo) é real. Obviamente o Céu do Mapiá é real, e seus fiéis estão lá, tão espiritualizados quanto sempre. Todo o resto -tese, antropóloga e, principalmente, o guia- são falsos.
Esse é o panorama nada promissor de "Selva do Meu Desejo", docudrama de Roberto Athayde. Sob a desculpa de falar sobre o daime, o que o diretor faz é um "road movie", falado inteiramente em inglês, com paisagens, gentes e cores de um Brasil atravessado literalmente de leste a oeste.
O eixo da narrativa é a famigerada BR-230, que a personagem-antropóloga, Mrs. Binther, insiste em chamar de "Transamazônica" -ainda que a estrada comece à beira do Atlântico, na Paraíba, e só atravesse a Amazônia em sua porção final. Ao longo dela, desfia suas idealizações da selva e do homem dos trópicos, supostamente encarnado no jovem motorista.
Desvios, claro, existem. O mais gritante -e revelador- é uma ligeira "passadinha" em Santarém, que nem em sonho está perto da Transamazônica. O propósito não parece ser outro que fazer turismo nas praias do rio Tapajós, com direito a uma reclamação da narradora: "Lindo, mas ainda não chegamos ao Amazonas"...
Difícil saber, na confusão entre real e interpretação, se aquilo era só uma tentativa de caracterizar a famosa inépcia geográfica dos americanos. Afinal, o Amazonas está bem ali -Santarém fica na sua confluência com o Tapajós.
Abandonando a Transamazônica, acabam chegando a Mapiá, onde Mrs. Binther balbucia meia dúzia de bobagens sobre religião cabocla e ecologia. Desnecessário. Se algo fica dessa pantomima, é a viagem em si, uma seqüência impressionante de cartões-postais para pirar qualquer gringo -e inspirar qualquer brasileiro.


Selva do Meu Desejo
  
Direção: Roberto Athayde
Quando: hoje, às 14h e às 17h, no MIS


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