|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Jardim de infância do grupo Kiss me transtornou
Banda faz entretenimento puro e
infantil; plateia cantou tudo junto
IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Há duas semanas, o arquiteto Isay Weinfeld
escreveu nesta Ilustrada uma crítica que teve chamada na Primeira Página
com o seguinte título: "Show
do Radiohead me transtornou;
banda faz arte pura, essencial".
Pois no meu caso, o que me
transtornou foi o Kiss, anteontem. Até então, eu havia chorado em apenas um show na vida:
o de Neil Young no Rock in Rio
3, em 2001. O fato de ter estado
presente nas duas outras apresentações do Kiss maquiado no
Brasil, em 1983 e 1999, me fez
pensar que enfrentaria a noite
sem maiores emoções.
Mas quando, na segunda música, 37 mil pessoas cantaram
juntos com Paul Stanley (o guitarrista com estrela no rosto) o
início de "Strutter" ("I know a
thing or two about her"), nessa
hora, uma ou duas lágrimas
ameaçaram borrar minha imaginária maquiagem de Gene
Simmons (o baixista demônio).
Fiquei transtornado em ver
esses dois, aos 57 e 59 anos, respectivamente, lotando um
Anhembi. Em ver o público
cantando junto uma música escrita em 1974 que eu imaginava
desconhecida. Em sentir, afinal, que eu não era o único que
amava uma banda tão maltratada pela humanidade.
Maltratada porque, diferentemente do Radiohead, o Kiss
não faz nem nunca fez arte pura nem essencial. Faz entretenimento descarado. E é descarado a ponto de irritar.
Paul Stanley repete tanto "I
feel good" (me sinto bem), "We
love you" (nós amamos vocês)
e "São Paulo is number one"
(São Paulo é número um) que
dá vontade de vaiar. Ele e Simmons brincam com a plateia
como se fossem os palhaços de
um circo. Pedem, por exemplo,
para o público da direita gritar
"yeah" mais alto que o pessoal
da esquerda. É como se fossem
o Torresmo e o Pururuca do
rock. Sem falar no fogo, sangue
e explosões. Dá pra se sentir no
jardim de infância.
Outros momentos irritam:
nada mais datado e sem graça
do que parar as canções para
que os músicos executem solos
de bateria ou de baixo.
Mas o público não reclama:
são várias crianças, muitos maquiados, alguns de máscara, todos de camiseta preta. Há cabeludos que parecem ter saído direto dos anos 70, quando curtia-se o "rock pauleira" de "Alive!", álbum que o Kiss reproduziu quase integralmente no
Anhembi (foram 14 das 16 músicas). Depois do intervalo, vieram mais seis hits dos 70 e 80.
Mas todos esses "senões" são
para fazer uma crítica pertinente e imparcial. Porque, no
final das contas, as lágrimas foram verdadeiras.
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: As choronas Próximo Texto: Kissmania Índice
|