São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009

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Crítica

Jardim de infância do grupo Kiss me transtornou

Banda faz entretenimento puro e infantil; plateia cantou tudo junto

IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há duas semanas, o arquiteto Isay Weinfeld escreveu nesta Ilustrada uma crítica que teve chamada na Primeira Página com o seguinte título: "Show do Radiohead me transtornou; banda faz arte pura, essencial".
Pois no meu caso, o que me transtornou foi o Kiss, anteontem. Até então, eu havia chorado em apenas um show na vida: o de Neil Young no Rock in Rio 3, em 2001. O fato de ter estado presente nas duas outras apresentações do Kiss maquiado no Brasil, em 1983 e 1999, me fez pensar que enfrentaria a noite sem maiores emoções.
Mas quando, na segunda música, 37 mil pessoas cantaram juntos com Paul Stanley (o guitarrista com estrela no rosto) o início de "Strutter" ("I know a thing or two about her"), nessa hora, uma ou duas lágrimas ameaçaram borrar minha imaginária maquiagem de Gene Simmons (o baixista demônio).
Fiquei transtornado em ver esses dois, aos 57 e 59 anos, respectivamente, lotando um Anhembi. Em ver o público cantando junto uma música escrita em 1974 que eu imaginava desconhecida. Em sentir, afinal, que eu não era o único que amava uma banda tão maltratada pela humanidade.
Maltratada porque, diferentemente do Radiohead, o Kiss não faz nem nunca fez arte pura nem essencial. Faz entretenimento descarado. E é descarado a ponto de irritar.
Paul Stanley repete tanto "I feel good" (me sinto bem), "We love you" (nós amamos vocês) e "São Paulo is number one" (São Paulo é número um) que dá vontade de vaiar. Ele e Simmons brincam com a plateia como se fossem os palhaços de um circo. Pedem, por exemplo, para o público da direita gritar "yeah" mais alto que o pessoal da esquerda. É como se fossem o Torresmo e o Pururuca do rock. Sem falar no fogo, sangue e explosões. Dá pra se sentir no jardim de infância.
Outros momentos irritam: nada mais datado e sem graça do que parar as canções para que os músicos executem solos de bateria ou de baixo.
Mas o público não reclama: são várias crianças, muitos maquiados, alguns de máscara, todos de camiseta preta. Há cabeludos que parecem ter saído direto dos anos 70, quando curtia-se o "rock pauleira" de "Alive!", álbum que o Kiss reproduziu quase integralmente no Anhembi (foram 14 das 16 músicas). Depois do intervalo, vieram mais seis hits dos 70 e 80.
Mas todos esses "senões" são para fazer uma crítica pertinente e imparcial. Porque, no final das contas, as lágrimas foram verdadeiras.


Avaliação: ótimo


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