São Paulo, quinta, 9 de abril de 1998

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TEATRO
"Uiva e Vocifera" busca a gênese da tragédia grega

LEONARDO CRUZ
da Redação

Grécia Antiga. O rei Midas vai à floresta e captura Sileno, deus silvestre. Curioso, o rei pergunta ao deus: "Qual é a melhor coisa que pode acontecer ao homem?". A resposta é imediata: "A melhor coisa que pode acontecer ao homem é ele não nascer". Transtornado, o rei prossegue: "E qual a segunda melhor coisa?". "Morrer o quanto antes", retruca o deus.
Essa fábula, proposta por Friedrich Nietzsche no livro "O Nascimento da Tragédia", fundamenta o raciocínio do filósofo alemão de que, antes do surgimento dos deuses do Olimpo, o povo grego era infeliz e pessimista.
O encontro entre o rei e o deus silvestre, transportado para a passarela do teatro Oficina, abre o espetáculo "Uiva e Vocifera", que, de hoje a domingo, faz quatro únicas apresentações em São Paulo.
Com texto e direção de Hamilton Vaz Pereira, criador, nos anos 70, do grupo Asdrubal Trouxe o Trombone, a montagem tem como base a tese da gênese do teatro grego, desenvolvida por Nietzsche em "O Nascimento da Tragédia".
"Sempre me interessei por esse livro e, depois de estudar muito, conclui que era possível adaptá-lo ao palco", diz Vaz Pereira. Para contar a saga desse surgimento, o diretor utilizou, além dos textos do filósofo alemão, elementos da obra de Homero.
Em "Uiva e Vocifera", a "Ilíada" e a "Odisséia" estão presentes na criação dos deuses gregos, belos e fortes. Para Nietzsche, a existência dessas figuras míticas ameniza o sofrimento do mortal grego, que consegue continuar vivendo.
Nesse momento entra em cena o deus Dionísio, extraído diretamente de "As Bacantes", de Eurípedes, que chega à cidade de Tebas exigindo ser cultuado. Menosprezado pelo governante Penteu, o deus atrai as mulheres tebanas aos seus rituais orgiásticos, em que todos morrem no final da noite. O ritual dionisíaco culmina no estraçalhamento de Penteu.
É o ponto em que o povo grego assume o culto a Dionísio, adaptando-o. Para evitar a morte, o sofrimento, o ritual passa a ser celebrado como fingimento. A embriaguez, a violência e o estraçalhamento passam a ser vividos de forma farsesca. Farsa acompanhada por uma platéia que, apesar de ciente da impostura encenada, se emociona com a aparente veracidade do espetáculo.
"Surge aí uma nova forma de arte. Essa é a conclusão a que Nietzsche chega e a que nós também chegamos", afirma Vaz Pereira.
Para envolver essa trama, o diretor criou uma cena contemporânea. No palco, um grupo de amigos estuda a mitologia grega, se empolga com as divindades e passa a representá-las.
"Isso não quer dizer que o espetáculo seja enigmático ou intelectualizado. "Uiva e Vocifera' tem um tom constante de brincadeira, de humor, mesclado com momentos de extrema seriedade."
Acompanhado por mais três músicos, Hamilton Vaz Pereira também canta as oito músicas, de sua autoria, que formam a trilha sonora do espetáculo.


Peça: Uiva e Vocifera Quando: hoje, amanhã e sábado, às 21h30; domingo, às 19h Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 011/604-0678)
Quanto: R$ 15 e R$ 7,50 (estudantes)


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