São Paulo, quinta, 9 de abril de 1998

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"Alien" ressuscita com humor negro

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Algum psicanalista ou sociólogo ainda tem que explicar o sucesso da saga dos aliens no cinema.
Há quase 20 anos -desde "Alien, o Oitavo Passageiro" (1979), de Ridley Scott-, essas gosmas mutantes e traiçoeiras voltam de quando em quando às telas, como um pesadelo recorrente.
Reforçando a idéia de mutação, cada filme da série teve um diretor e um estilo diferente (até o "titânico" James Cameron fez o seu).
"Alien - A Ressurreição", o quarto rebento dessa escalada nojenta, é assinado pelo diretor francês Jean-Pierre Jeunet, que, em parceria com Marc Caro, realizou antes os barrocos (para não dizer rococó) "Delicatessen" e "Ladrões de Sonhos".
A escolha de Jeunet reafirma, por um lado, a confluência entre o infantilismo da ficção científica norte-americana e a afetação de certo cinema europeu -casamento já verificado em "O Quinto Elemento", de Luc Besson.
Por outro lado, mostra que a série dos aliens atingiu um ponto de saturação que a faz voltar-se sobre si mesma, numa atitude autofágica e auto-irônica.
A ressurreição de que fala o título é dupla: da tenente Ripley (Sigourney Weaver), morta há 200 anos (ver "Aliens 3"), e, por intermédio dela, dos próprios aliens.
Mistura
Nesse ponto de partida -que não deixa de ser um subterfúgio para continuar a série- , está embutido o toque original desse quarto filme: a idéia de mistura do humano com o alienígena.
O fato de Ripley ter renascido graças a uma combinação de seus genes com os dos alienígenas dota de ambiguidade não só a personagem (meio gente, meio alien) como todo o filme.
É como se, hoje, já não fosse possível (a não ser em chave de paródia, como em "Tropas Estelares") figurar os seres humanos como uma espécie pura e positiva, confrontada com um mal externo.
Aqui, os humanos -sejam eles os cientistas que fazem a clonagem dos aliens, sejam os piratas espaciais que os abordam- são tão feios, sujos e malvados quanto os próprios monstros. Não por acaso, há entre eles uma andróide disfarçada (Winona Ryder) assim definida por Ripley: "Demasiado humana para ser um humano".
Aliás, uma das muitas ironias do filme é colocar a salvação da humanidade nas mãos de duas mulheres: uma delas meio alien, a outra meio máquina.

Réquiem
Para os adolescentes (de todas as idades) que avaliam um filme pela quantidade de gosma, sangue e vísceras oferecida, basta dizer que "Alien - A Ressurreição" os fornece em escala industrial.
O mais interessante, contudo, é constatar que, desta vez, o estilo sobrecarregado de Jeunet condiz com seu tema. A cenografia gótica, os enquadramentos oblíquos, a concepção algo retrô de tecnologia, tudo isso casa bem com a idéia geral de indissociação entre o orgânico e o mecânico, entre o humano e o inumano.
Um réquiem para o homem, talvez. Mas tocado em arranjo pop e dançante.

Filme: Alien - A Ressurreição Produção: EUA, 1997 Direção: Jean-Pierre Jeunet Com: Sigourney Weaver, Winona Ryder, Ron Perlman, Dominique Pinon Quando: a partir de hoje, nos cines Marabá, Liberty, Raposo Shopping 2 e circuito


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