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São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2003

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"UMA MULHER É UMA MULHER"

Jean-Luc Godard registra em filme o engano das palavras

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Godard costumava descrever seu "Uma Mulher É uma Mulher" como um musical neo-realista. O termo pode parecer dos mais paradoxais, por combinar um gênero hollywoodiano com uma escola anti-hollywoodiana, mas nenhuma outra contradição parece sintetizar melhor o sincretismo desse fenômeno cinematográfico a que se deu o nome de nouvelle vague francesa.
Antes de se converterem ao método de Rossellini, pai do neo-realismo italiano, e se alçarem à condição de realizadores, Godard, Truffaut, Rivette e companhia eram críticos tidos como neo-hollywoodianos. Graças a eles e à sua "política dos autores", nomes como Hitchcock e Fritz Lang saíram do "pelourinho da história" para o Olimpo dos gênios.
Se os artífices da "política dos autores" fazem parte desse mesmo panteão que ajudaram a idealizar, muito se deve aos filmes e à presença de Rossellini na Paris dos anos 50. Godard tinha em comum com o italiano a aversão aos detalhes. Mas enquanto Rossellini era um cineasta da espera, Godard se revelaria do instante.
Em "Uma Mulher É uma Mulher", toda a urgência do diretor é filmar Anna Karina, sua paixão. E filmá-la audaciosa e bela, livre, como numa comédia musical. Dos musicais americanos, Godard toma não apenas o espaço de convenção em que se movem suas personagens. Retira dos musicais a especificidade do plano sonoro.
Longe de cumprir uma função clássica (ilustrativa), a trilha sonora de Michel Legrand é liberada, como ruído, interferindo e dialogando com a "mise-en-scène" dos atores. "Uma Mulher" é lúdico-cinefílico protagonizado por personagens lúdico-cinefílicos. Ângela (Karina) quer que Emile (Jean-Claude Brialy) lhe dê um filho como prova de amor. Emile quer deixar para depois, e Ângela ameaça engravidar de outro. Como ama Ângela, Emile a toma ao pé da letra. Como ama Emile, Ângela o toma ao pé da letra.
Trata-se de um filme sobre o engano das palavras. "Falar é arriscar-se a mentir", diz Ângela. Mas mentir é um dos meios da procura (pela verdade), nos diz Bruce Parain em "Viver a Vida", outra obra-prima de Godard-Anna.


Uma Mulher É uma Mulher
Une Femme Est une Femme
    
Produção: França, 1961
Direção: Jean-Luc Godard
Com: Anna Karina, Jean-Paul Belmondo
Quando: a partir de hoje no Top Cine 1



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