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"UMA MULHER É UMA MULHER"
Jean-Luc Godard registra em filme o engano das palavras
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Godard costumava descrever seu "Uma Mulher É uma
Mulher" como um musical neo-realista. O termo pode parecer
dos mais paradoxais, por combinar um gênero hollywoodiano
com uma escola anti-hollywoodiana, mas nenhuma outra contradição parece sintetizar melhor
o sincretismo desse fenômeno cinematográfico a que se deu o nome de nouvelle vague francesa.
Antes de se converterem ao método de Rossellini, pai do neo-realismo italiano, e se alçarem à condição de realizadores, Godard,
Truffaut, Rivette e companhia
eram críticos tidos como neo-hollywoodianos. Graças a eles e à
sua "política dos autores", nomes
como Hitchcock e Fritz Lang saíram do "pelourinho da história"
para o Olimpo dos gênios.
Se os artífices da "política dos
autores" fazem parte desse mesmo panteão que ajudaram a idealizar, muito se deve aos filmes e à
presença de Rossellini na Paris
dos anos 50. Godard tinha em comum com o italiano a aversão aos
detalhes. Mas enquanto Rossellini
era um cineasta da espera, Godard se revelaria do instante.
Em "Uma Mulher É uma Mulher", toda a urgência do diretor é
filmar Anna Karina, sua paixão. E
filmá-la audaciosa e bela, livre, como numa comédia musical. Dos
musicais americanos, Godard toma não apenas o espaço de convenção em que se movem suas
personagens. Retira dos musicais
a especificidade do plano sonoro.
Longe de cumprir uma função
clássica (ilustrativa), a trilha sonora de Michel Legrand é liberada,
como ruído, interferindo e dialogando com a "mise-en-scène" dos
atores. "Uma Mulher" é lúdico-cinefílico protagonizado por personagens lúdico-cinefílicos. Ângela
(Karina) quer que Emile (Jean-Claude Brialy) lhe dê um filho como prova de amor. Emile quer
deixar para depois, e Ângela
ameaça engravidar de outro. Como ama Ângela, Emile a toma ao
pé da letra. Como ama Emile, Ângela o toma ao pé da letra.
Trata-se de um filme sobre o engano das palavras. "Falar é arriscar-se a mentir", diz Ângela. Mas
mentir é um dos meios da procura (pela verdade), nos diz Bruce
Parain em "Viver a Vida", outra
obra-prima de Godard-Anna.
Uma Mulher É uma Mulher
Une Femme Est une Femme
Produção: França, 1961
Direção: Jean-Luc Godard
Com: Anna Karina, Jean-Paul Belmondo
Quando: a partir de hoje no Top Cine 1
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