São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Os acadêmicos no chá das cinco na semana passada, com pastéis, bolo inglês e curau diet; a cadeira da cabeceira é considerada amaldiçoada e sempre fica vazia


O ABC da Academia

Elas vieram de Recife, Goiânia, São Paulo e Brasília, com vistosas jóias e seus longos vestidos vermelhos, pretos, azuis e dourados; eles, de black-tie. Em grande estilo, mais de 600 pessoas tomaram a Academia Brasileira de Letras, na segunda-feira passada, para a posse do mais novo imortal da Academia: Marco Maciel, o 231º desde a fundação, em 1897.

Foi o triplo do número de pessoas que em geral prestigiam as posses. Maciel enviou convites para mais de mil "amigos" de todo o país. Em Pernambuco, foi além: declarou aos jornais que conterrâneos poderiam entrar na cerimônia sem convite nem nada. Bastava chegar, dizer que era pernambucano e pronto. O vice-presidente José Alencar foi, o presidente do Senado e também imortal José Sarney foi, além do prefeito Cesar Maia, e de senadores e deputados como Paes Landim, do Piauí, Pauderney Avelino, do Amazonas, e Ronaldo Caiado, de Goiás.

"No nosso casamento, ele convidou 5.000 pessoas. Ficamos horas e horas cumprimentando os convidados no meio da rua", divertia-se Joel Braga, genro de Maciel, que liderava uma caravana de personalidades vindas de Goiás.

O nervosismo antes da posse foi grande: dias antes do grande evento, Ana, a mulher de Maciel, atendeu a um telefonema de Francesco Rosalba, o alfaiate que faz os tradicionais fardões da Academia: caso não recebesse do governo de Pernambuco os R$ 50 mil que estava cobrando pelo fardão, simplesmente não entregaria a roupa da festa. "Ele fez uma grosseria", diz o presidente da ABL, o poeta Ivan Junqueira. "Falei delicadamente que, como ele tinha muito prestígio, eu esperava receber o dinheiro rapidamente, e não estava sendo assim", diz o alfaiate.

O fardão só foi entregue na sexta-feira, quando o dinheiro caiu na conta. Agora, os acadêmicos querem acabar com o monopólio de Rosalba no atendimento aos imortais.

Os fardões verdes já foram de camurça de lã e hoje são feitos em gabardine inglesa com bordados de fios de ouro francês. Mas já houve quem ignorasse a regra. O escritor Ariano Suassuna, que tomou posse em 1990, fez questão de contratar uma costureira pernambucana para fazer o seu fardão.

"Muito jeca a posse de Suassuna", definiu na época, no título de um texto, o colunista Ibrahim Sued. "O senhor Suassuna trajava um fardão em tecido leve, quase preto, com bordados diferentes do modelo acadêmico, um horror, muito jeca", relatou Ibrahim, para quem Suassuna quebrou "os rituais que fazem a glória da casa de Machado de Assis".

A ABL, de fato, preza suas tradições e lendas. Uma iniciativa da jornalista Cecília Costa, mulher de Ivan Junqueira, presidente da ABL, por exemplo, foi vetada. Ela queria fazer um animado baile de máscaras para comemorar o centenário da morte de Carolina, a mulher de Machado de Assis. As pessoas dançariam entre os bustos de poetas românticos e quadros de Portinari no Petit Trianon, o prédio que foi doado pelo governo da França à ABL.

Cecília, que é jovem e expansiva, também chocou alguns imortais ao brincar com a idade dos acadêmicos num jantar em homenagem a Marco Maciel na casa de Lily Marinho, na sexta-feira anterior à posse. Ela declarou ser necessária uma campanha para trazer gente jovem para a ABL, pois anda morrendo acadêmico demais.

Uma parte do orçamento anual de R$ 9 milhões da ABL, por exemplo, é reservada ao pagamento de três velórios anuais, que custam R$ 36 mil, no total. "Mas, dona Carmen, tudo isso?", perguntou o presidente Ivan Junqueira ao receber a informação. E Carmen de Oliveira, funcionária da ABL há três décadas: "Conheço a casa melhor do que o senhor". Certa vez morreram sete acadêmicos, e o orçamento estourou.

Paulo Coelho, o acadêmico mais jovem, tem 57 anos.

Nem só de chá das cinco vive a ABL, embora este, realizado às quintas-feiras -detalhe: às 15h30-, tenha se tornado um símbolo da instituição. No capítulo das lendas, existe uma cadeira maldita na mesa do chá: é a da cabeceira. Nela Guimarães Rosa teria sentado dias antes de morrer.

A ABL tem em seu centro de memória verdadeiras preciosidades, guardadas em quase 200 gavetas de arquivo. Pequeno exemplo entre centenas: os originais de "Esaú e Jacó", livro de Machado de Assis. Neles se vê o escritor criando o personagem: o nome Conceição aparece riscado, e sobre ele outro, Natividade, nome da personagem que acabou vingando. Há ainda livros e objetos pessoais de Machado de Assis, a biblioteca de Manuel Bandeira ao lado de quadros de Cândido Portinari e Guignard, estante e escrivaninha de Olavo Bilac e escrivaninha de Euclides da Cunha.

Ganhar eleição na ABL é mais difícil do que virar presidente do Brasil, concluiu Juscelino Kubitschek ao perder a eleição por um voto na década de 70. Os acadêmicos até hoje cochicham que o governo militar influiu decisivamente na derrota de JK.

Marco Maciel venceu Fernando Morais por 28 votos a 9. "Teve muita traição. Dezessete acadêmicos haviam me prometido o voto em cima do túmulo da mãe", diz Morais. Depois de lidos, os votos de Morais e Maciel foram colocados num caldeirão e incinerados; o resultado, como acontece em todas as eleições da Academia, foi proclamado como se o vencedor tivesse sido eleito por unanimidade.

@: bergamo@folhasp.com.br


COM CLEO GUIMARÃES e ALVARO LEME


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