São Paulo, sábado, 9 de maio de 1998

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RITA LEE ACÚSTICA
Cantora prepara seu "Rock'n'Nova"

da Reportagem Local

Adepta ferrenha da Internet como meio de comunicação, Rita Lee falou à Folha em quatro baterias de perguntas e respostas por e-mail -quase sempre respondidas por volta das 5h-, mais um encontro numa sessão de ensaios de seu acústico, em São Paulo.
Além do projeto da MTV, Rita prepara com Antônio Bivar a volta do programa radiofônico "Radioamador" e quer interpretar Evita Perón em filme do amigo Patrício Bisso ("só falta a grana").
A seguir, a cantora e compositora paulistana fala sobre o acústico, sobre sua "recém-conquistada caretice" e sobre como é envelhecer no palco do rock'n'roll.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Folha - O show e o disco "Bossa'n'Roll" (91) deram partida a uma série de projetos acústicos. Há algo ainda a ser acrescentado ao formato, sete anos depois?
Rita Lee -
Na época, tudo foi bem mais radical. Era um banquinho, um violão e nada mais. Acreditei em João Gilberto quando ele disse que eu sou uma roqueira com voz de bossa-novista, então resolvi "namorar" Nara Leão. Hoje diria que estou um passinho adiante, em termos de instrumentação, do "Bossa'n' Roll". Talvez um "Rock'n'Nova"...
Folha - É continuidade, e não novidade, então?
Rita -
Não me preocupo em inovar aos 30 anos de carreira, mas acho que poderíamos dizer que não se trata de continuidade, uma vez que o básico de tudo mudou. Consideremos novidade, sim, afinal nunca me apresentei com arranjos tão diferentes. Esta formação de banda é a primeira vez que monto, isso não é considerado novidade? Tudo bem... Chama Memê e radicaliza a véia no jungle...
Folha - O formato acústico não estaria já se tornando repetitivo?
Rita -
Não acho. Acústicos se tornaram uma fórmula de apresentar o artista de uma maneira mais despojada e, portanto, mais intimista. Cada artista tem uma concepção desse despojamento dos acústicos. Gostaria de ver como o Sepultura faria o dele. Quem sabe só raspariam os cabelos...
Folha - A blague de "tia do rock" ainda continua valendo?
Rita -
Essa coisa de tia vejo como uma homenagem ao meu pioneirismo como a roqueira brasileira que ainda tinha cara de bandida. Você ainda me chama de titia quando eu já sou vovó?
Folha - Como assim?
Rita -
Sim, sou uma feliz vovó Ritinha. Ganhei uma netinha de 3 anos que se chama Nina, filha de Júlia, namorada do meu filho Beto, com um cara que sumiu. Acho que nem precisamos entrar em detalhes, é minha neta e ponto final. Nem tentem tirá-la de mim.
Folha - Aos 50 anos, a roqueira Rita Lee ainda é roqueira? É espontâneo tocar rock'n'roll para sempre ou o banquinho e o violão passam a ficar mais atraentes?
Rita -
Aos 50 anos, não há rótulos pessoais prediletos. As modas passam cada vez mais rápido, nem dá tempo de mandar ninguém à fogueira. Os tais 15 minutos de sucesso são ótimos, aplico-os em mim mesma.
Não tenho nenhum exemplo de mulher roqueira cinquentona compositora e na ativa para me espelhar. Modestamente, sou a única do planeta. Tina Turner não vale, não é compositora. Cher não vale, é dondoca. Restam os rapazes, Chuck Berry, Erasmo, Stones, Bowie, Lou Reed, Iggy Pop...
Vou repetir a piada: tenho 50 anos, corpinho de 17 (1m70, 49kg) e cabeça de 2001, uma odisséia no espaço. Pode vir rock, bossa, bolero, metal, mambo, tecno que a véia traça. Só não tenho chances com o Tchan por falta de talento básico, a bunda avantajada.
Adoro shows pauleira, perco dois quilos por apresentação. Seguro numa "nice". O único que costumava reclamar era meu fígado, mas, com minha recém-conquistada caretice, nem ele.
Folha - Por que astros pop vivem dizendo que ficaram caretas?
Rita -
Alguns seres humanos ficam caretas por opção, e não por culpa. O replay do mesmo filme esgota. Também não suporto discursinhos moralistas dos "regenerados", acho um desserviço à informação "droguística" honesta. O pior careta é o ex-louco arrependido. A quem nunca foi viciado pode parecer nhenhenhém, mas não é. Atire a primeira pedra quem nunca sofreu numa dietazinha para emagrecer. Outros artistas continuam no mesmo filme -se a arte deles está bacana, empapucem-se.
Folha - Sua carreira não chegou a espelhar certa crise entre a "eterna juventude" do rock e a "juventude não eterna" da realidade? O rock não é cruel com o envelhecimento dos roqueiros?
Rita -
Francamente, se me cobrarem juventude eterna, estarão perdendo tempo. Envelhecer sendo uma serena e sábia feiticeira é bem mais eficiente que ter morrido jovem, burrinha e perua.
Folha - Quanto de seu tempo tem sido dedicado a ensaios?
Rita -
Estamos ensaiando uma média de oito a dez horas por dia. Começamos há dois meses. Primeiro eu sozinha, pelada no banheiro com meu violão, depois Roberto me passou harmonias mais elaboradas. Aí entrou Beto, formando o Pai, o Filho e a Espírita Santa. Depois veio Lee Marcucci, ex-Tutti Frutti, e os três mosqueteiros viraram quatro.
Estamos formatando o repertório, muitos arranjos que permanecem impregnados precisam de tempo para serem transformados. Nesses casos, é bom nem ouvir os originais. Mudar arranjos é fundamental para uma boa oxigenação.
Folha - Você já afirmou que a música não ocupava mais parte predominante da sua vida e agora fala de ensaios de dez horas por dia e do prazer de cantar provocado pelo projeto. Houve uma perda de prazer, há uma recuperação?
Rita -
Devo ter falado essa mentira para os críticos terem algum motivo mais consistente quando baixarem o cacete em mim. Música é terapia, se ficar sem ela um dia, morro de tédio. O prazer pelo som nunca se perdeu, a saúde passou por sérios problemas que já foram recuperados, estou nos trinques.
Folha - O modelo "acústico com convidados" será mantido?
Rita -
Acho simpático. Nunca tive o prazer de cantar com Milton Nascimento, vamos fazer juntos "Mania de Você", com um arranjo bem bonito e diferente do que já foi feito. Cássia Eller vai cantar "Luz del Fuego", Ed Motta, "Caso Sério". Gostaria muito que Marina Lima topasse participar, mas anda reclusa em seu disco e não me deu muita esperança. Com Titãs, será "Papai Me Empresta o Carro", com Paula Toller, "Flagra".
A MTV entrou em contato com Max Cavalera, mas o garoto não tem tempo para vir até o Brasil por enquanto. Seria inusitado tê-lo comigo cantando um bolerão latino. Já pensou aquela voz chiadona num "Bandido Corazón"?
Folha - Os colegas de tropicalismo não participarão?
Rita -
Eu queria muito os Doces Bárbaros (Caetano, Gal, Gil e Bethânia), mas todos estarão em excursão na época da gravação.
Folha - Você vai tocar o quê?
Rita -
Rita Lee só toca violão até ver se consegue consertar a harpa e a "scaletta". Comprei um Theremin, aquele tataravô do sintetizador que eu tocava em "2001" (69). A gente nem encosta nele. Tem duas antenas, uma para cada mão. Tem o mesmo resultado sonoro da serra com arco -palhaços usam muito em circo. Vou soprar umas garrafas, outra coisa de palhaço.
Folha - Você pretende privilegiar alguma fase da carreira?
Rita -
Vai rolar de toda fase um pouco, chegamos a um consenso bacana. De Mutantes, "A Balada do Louco", uma das que mais gosto. Foi a mais votada numa pesquisa que fizemos na Net, e nunca cantei antes. Adaptei a letra, virou "A Balada da Louca". De Tutti Frutti, tem "Agora Só Falta Você", "Eu e Meu Gato", "Coisas da Vida", "Jardins da Babilônia", "Ovelha Negra". Da dupla Lee/Carvalho, "Bwana", "Vírus do Amor", "Cor-de-Rosa Choque", "Desculpe o Auê", "Lança Perfume", "Dias Melhores Virão", "Santa Rita de Sampa".
Sempre gostei muito de "Gita", de Raul Seixas e Paulo Coelho. Vamos dramatizar o arranjo, fazer algo flamenco e lírico.
Folha - Haverá inéditas?
Rita -
Temos uma porrada de inéditas, escolhemos entre seis para tirar três ou duas. Há "M Te Vê", "Alma Gêmea" e um poema de Bertolt Brecht (aquele rapaz do distanciamento) que musiquei.
Folha - Rita Lee pratica o distanciamento brechtiano?
Rita -
Sou adepta do distanciamento de gente chata. Políticos, igrejas e palmeirenses quando ganham do Corinthians.



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