São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GASTRONOMIA
Livros tentam decifrar origens das receitas

COLUNISTA DA FOLHA

Os 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil estimularam o surgimento de vários livros históricos com temas gastronômicos. Mas não se fala somente da história do Brasil. A comida de todas as origens tem sido enfocada.
O mais esperado tem um nome que retrata bem as expectativas que causou: "A Saga da Comida - Receitas e História".
O autor, Gabriel Bolaffi, combina a paixão pela culinária com a profissão de sociólogo e professor da USP. O livro parece encerrar um vasto panorama histórico da gastronomia. Não é bem assim. "A Saga da Comida" é um livro de receitas, aí sim um apanhado bem amplo, abordando pratos de várias origens. Os capítulos são organizados por critérios culinários: "Molhos Básicos"; "Tortas, Pastéis e Empadões"; "Arroz e Risotos"; e assim por diante.
As receitas são, no entanto, precedidas de comentários que variam das memórias pessoais de Bolaffi a referências históricas. O tom dos comentários é bastante despretensioso, a ponto de conter várias informações totalmente imprecisas, inclusive nomes errados de pessoas e de pratos.
Por exemplo, a proprietária do restaurante La Casserole de São Paulo, Fortunée Henry, virou "Mme. Casserole"; o Café Anglais de Paris vira Restaurant des Anglaises, e é tido como o atual Tour d'Argent.
Mas o aspecto que demandaria mais polêmica é a adesão de Bolaffi à tese resumida na frase: "A culinária ocidental é uma arte italiana". De onde ele deriva o partido de que "os fundamentos sobre os quais este livro se apóia são aqueles da culinária italiana".
Há bom número de franceses munidos de bom número de argumentos para contestar o pilar do livro de Bolaffi, que repete um dogma implantado pela dinastia dos Médicis na consciência italiana e segundo o qual Catarina de Médici, ao casar com o rei da França e mudar-se para a corte francesa, teria levado consigo uma culinária revolucionária.
Deslizes e patriotadas à parte, "A Saga da Comida" pode ser lido com gosto e, dado que não é nada do compêndio que o título sugere, tem outra vantagem: pode ser degustado sem ordem, cada capítulo lido no momento desejado.
É o que acontece com outro livro de título igualmente pomposo, "Arqueologias Culinárias da Índia", de Fernanda de Camargo-Moro. A autora é uma historiadora e arqueóloga carioca e tem profundo conhecimento da Índia, angariado ao longo de seu trabalho como diretora do Projeto Himalaia da Rede Internacional de Arqueologia Ambiental.
Ela descreve a riqueza da culinária indiana, que tem várias faces. O clima e a geografia são muito diferentes, bem como há diferenças entre a cozinha muçulmana e a hindu. Por suas quase 500 páginas, o livro nos leva ao Himalaia, ao Tibete, a Calcutá, a Goa, aos chás de Darjiling... Viagens que se dão ao lado de personagens históricos, como Simbad. O marujo era, na verdade, segundo o livro, um mercador de especiarias que foi bater nas costas de Malabar.
Também neste livro, a matéria básica são as receitas, fio condutor que justifica as informações históricas (extensas e fundamentadas) às quais elas dão pretexto. O título mais uma vez excede.
Também aqui a narrativa é plena de depoimentos pessoais, com muitas histórias vividas e contadas com desvelo.
O desejo da autora é provar "que as imagens que geralmente retemos sobre a culinária da Índia (...), as quais, muitas vezes, nos levam a imaginar uma cozinha pobre, comum a toda a extensão territorial do país, um lugar onde a população inteira praticaria um vegetarianismo quase contemplativo, não podem estar mais equivocadas".
Há um sabor especial no livro por tratar de histórias, culturas e religiões distantes do universo brasileiro e por isso sua leitura termina induzindo um clima místico, mágico, sugerindo um mundo distante e fascinante envolvido em aromas exóticos. São receitas talvez menos propensas a serem feitas em casa pelo leitor brasileiro, mas de inegável sabor para serem lidas.
(JOSIMAR MELO)


A Saga da Comida - Receitas e História     Autor: Gabriel Bolaffi Editora: Record Quanto: R$ 39 (712 págs.) Arqueologias Culinárias da Índia     Autora: Fernanda de Camargo-Moro Editora: Record Quanto: R$ 28 (480 págs.)



Texto Anterior: Rádio: Jovem Pan e Transamérica lançam canais
Próximo Texto: Mundo Gourmet - Josimar Melo: Cenário valoriza pratos do aprazível Empório Vila Itaim
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.