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GASTRONOMIA
Livros tentam decifrar origens das receitas
COLUNISTA DA FOLHA
Os 500 anos da chegada dos
portugueses ao Brasil estimularam o surgimento de vários
livros históricos com temas gastronômicos. Mas não se fala somente da história do Brasil. A comida de todas as origens tem sido
enfocada.
O mais esperado tem um nome
que retrata bem as expectativas
que causou: "A Saga da Comida -
Receitas e História".
O autor, Gabriel Bolaffi, combina a paixão pela culinária com a
profissão de sociólogo e professor
da USP. O livro parece encerrar
um vasto panorama histórico da
gastronomia. Não é bem assim.
"A Saga da Comida" é um livro de
receitas, aí sim um apanhado bem
amplo, abordando pratos de várias origens. Os capítulos são organizados por critérios culinários:
"Molhos Básicos"; "Tortas, Pastéis e Empadões"; "Arroz e Risotos"; e assim por diante.
As receitas são, no entanto, precedidas de comentários que variam das memórias pessoais de
Bolaffi a referências históricas. O
tom dos comentários é bastante
despretensioso, a ponto de conter
várias informações totalmente
imprecisas, inclusive nomes errados de pessoas e de pratos.
Por exemplo, a proprietária do
restaurante La Casserole de São
Paulo, Fortunée Henry, virou
"Mme. Casserole"; o Café Anglais
de Paris vira Restaurant des Anglaises, e é tido como o atual Tour
d'Argent.
Mas o aspecto que demandaria
mais polêmica é a adesão de Bolaffi à tese resumida na frase: "A
culinária ocidental é uma arte italiana". De onde ele deriva o partido de que "os fundamentos sobre
os quais este livro se apóia são
aqueles da culinária italiana".
Há bom número de franceses
munidos de bom número de argumentos para contestar o pilar
do livro de Bolaffi, que repete um
dogma implantado pela dinastia
dos Médicis na consciência italiana e segundo o qual Catarina de
Médici, ao casar com o rei da
França e mudar-se para a corte
francesa, teria levado consigo
uma culinária revolucionária.
Deslizes e patriotadas à parte,
"A Saga da Comida" pode ser lido
com gosto e, dado que não é nada
do compêndio que o título sugere,
tem outra vantagem: pode ser degustado sem ordem, cada capítulo lido no momento desejado.
É o que acontece com outro livro de título igualmente pomposo, "Arqueologias Culinárias da
Índia", de Fernanda de Camargo-Moro. A autora é uma historiadora e arqueóloga carioca e tem profundo conhecimento da Índia,
angariado ao longo de seu trabalho como diretora do Projeto Himalaia da Rede Internacional de
Arqueologia Ambiental.
Ela descreve a riqueza da culinária indiana, que tem várias faces.
O clima e a geografia são muito
diferentes, bem como há diferenças entre a cozinha muçulmana e
a hindu. Por suas quase 500 páginas, o livro nos leva ao Himalaia,
ao Tibete, a Calcutá, a Goa, aos
chás de Darjiling... Viagens que se
dão ao lado de personagens históricos, como Simbad. O marujo
era, na verdade, segundo o livro,
um mercador de especiarias que
foi bater nas costas de Malabar.
Também neste livro, a matéria
básica são as receitas, fio condutor que justifica as informações
históricas (extensas e fundamentadas) às quais elas dão pretexto.
O título mais uma vez excede.
Também aqui a narrativa é plena de depoimentos pessoais, com
muitas histórias vividas e contadas com desvelo.
O desejo da autora é provar
"que as imagens que geralmente
retemos sobre a culinária da Índia
(...), as quais, muitas vezes, nos levam a imaginar uma cozinha pobre, comum a toda a extensão territorial do país, um lugar onde a
população inteira praticaria um
vegetarianismo quase contemplativo, não podem estar mais equivocadas".
Há um sabor especial no livro
por tratar de histórias, culturas e
religiões distantes do universo
brasileiro e por isso sua leitura
termina induzindo um clima místico, mágico, sugerindo um mundo distante e fascinante envolvido
em aromas exóticos. São receitas
talvez menos propensas a serem
feitas em casa pelo leitor brasileiro, mas de inegável sabor para serem lidas.
(JOSIMAR MELO)
A Saga da Comida - Receitas e
História
Autor: Gabriel Bolaffi
Editora: Record
Quanto: R$ 39 (712 págs.)
Arqueologias Culinárias da
Índia
Autora: Fernanda de Camargo-Moro
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (480 págs.)
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