São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

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EXPOSIÇÃO

Mostra "The Matter of Time" leva obras claustrofóbicas do artista plástico ao museu de Bilbao (Espanha)

Richard Serra redesenha espaço do Guggenheim

MICHAEL KIMMELMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM BILBAO

Um verdadeiro museu Richard Serra foi inaugurado ontem dentro do Guggenheim Bilbao (Espanha). A instalação é uma das grandes obras dos últimos 50 anos, a culminação de um período frutífero na carreira do artista. Demonstra profunda humanidade, não menos porque se baseia na percepção individual.
Essa última observação pode parecer conflitante com relação às queixas expressas há duas décadas, quando sua peça "Tilted Arc" (arco inclinado) foi instalada em Foley Square (Manhattan, EUA) e depois removida para um depósito de lixo, quando ele passou a ser considerado um homem irado de esculturas ameaçadoras.
Testemunhando a natureza extraordinária da arte, os trabalhos mais recentes de Serra, que aprofundam o conceito de uma peça de aço curvo que cerca um determinado espaço, se tornaram populares. A mudança na percepção envolve mais que a diferença entre uma praça e o interior de um museu. Serra aperfeiçoou sua linguagem visual; as mães agora passeiam alegremente com seus bebês em meio às suas esculturas.
Posicionada em uma sala vasta e excêntrica, a instalação consiste de oito esculturas, sete delas recentes mais "Snake" (cobra), que já fazia parte do acervo. A maneira pela qual elas se combinam é o importante: a forma como se pressionam umas às outras; a maneira como as formas em fluxo se influenciam e são influenciadas pela arquitetura, criando vistas e sons -as peças são como câmeras de eco na galeria.
Não há percurso predeterminado. A instalação é fragmentária; as esculturas surgem em formas jamais sonhadas no passado -imensas, retorcidas. As peças são pesadas, embora possam parecer desprovidas de peso devido à maneira pela qual suas formas se dobram. Quando se caminha entre as obras, o que permanece é a sensação de claustrofobia.
"The Matter of Time", o título da instalação de Serra em Bilbao, resolve um problema que há muito incomodava o museu: quando abriu as portas, há oito anos, o casulo de titânio e vidro era uma atração turística. Ficou claro que o museu conflitava com o conteúdo que abrigava. Como pode ser prática uma sala em formato de asa de avião e com quase 120 metros de comprimento? O espaço se tornou mais administrável em 1999, quando Serra instalou diversas "Torqued Ellipses", peças que caíram bem no espaço.
O Guggenheim e o governo do País Basco reconheceram que havia um problema. Desejosos de criar uma atração permanente, ofereceram a ala dominante do museu a um artista capaz de enfrentar o desafio. A solução de Serra tanto acolhe quanto ironiza a arquitetura do local. A instalação atual é quase subversiva. Do centro de uma das espirais, mais ou menos da metade da sala, o espectador pode avistar o teto recurvo, e é possível imaginar que Serra quis contrastar suas formas elásticas com as formas estranhas do edifício, que são decorativas. E não apenas dramaticidade no sentido de que se trata de esculturas notáveis mas também no sentido que elas implicam tempo, som, movimento, mudança. Termos que se aplicam ao teatro ou ao cinema. O trabalho de Serra é abstrato, mas se desenrola como uma peça ou filme. Trata-se de uma condição radical para a escultura abstrata. Agora instalada em seu espaço, a obra se torna um marco para o século iniciado.


Tradução Paulo Migliacci

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