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Novo filme de Allen, que pré-estréia, tem ator de "American Pie" como seu alter ego; diretor de "Igual a Tudo na Vida" trabalha com ídolos adolescentes; para ele, juventude
é "analfabeta"
Feitiço do tempo
FIONA MORROW
DO ""THE INDEPENDENT"
Muito tempo atrás, na época em
que era Deus, Woody Allen não
dava entrevistas. Ele não precisava disso. Todo mundo o amava, e
ele tinha um acordo de produção
exclusivo que lhe garantia a liberdade de fazer qualquer filme que
quisesse.
As coisas mudam. Hoje, Allen
tem um contrato para um filme
de cada vez e é obrigado a sair do
isolamento que prefere para buscar seu ganha-pão lá fora, falando
com a imprensa. Assim, agora
que seus filmes se tornaram irrelevantes ou até derrisórios, ele
passou a ser disponível.
Embora os papéis que escreve
para si mesmo não reflitam o fato,
Allen fará 70 anos em dezembro e
está fisicamente um pouco frágil.
David Dobel, seu personagem em
""Igual a Tudo na Vida", não poderia ser mais diferente dele próprio: um sujeito paranóico e esquentado, apaixonado por armas
de fogo e que acredita piamente
em seu direito de se defender.
Se Dobel soa pouco característico em termos de alter ego do diretor, é porque o papel de Woody
-ou seja, o do neurótico apaixonado pelo jazz e azarado no
amor- foi rejuvenescido na pele
de Jerry (Jason Biggs), protegido
de Dobel.
Allen demonstra desprezo pela
simples idéia de que possa se importar com isso. ""Acho um erro
tentar ser jovem", explica, em
tom de superioridade. ""Os filmes
feitos para jovens não são ótimos
filmes, não são filmes reflexivos.
São blockbusters com efeitos especiais. As comédias são burras,
repletas de piadas de banheiro,
nada sofisticadas. Essas são as coisas que os jovens gostam. Não os
idolatro."
Não é difícil concordar com essa
visão, mas uma pergunta se torna
inevitável: por que ele escolheu o
ator Jason Biggs, astro da série
""American Pie"? ""Eu nunca tinha
ouvido falar em Jason quando o
contratei", responde Woody,
dando de ombros. ""Nunca vi
"American Pie", acho que deve ser
imbecil."
"Quando eu era mais jovem,
minha geração não tinha paciência nem interesse por filmes imbecis. Os filmes que nos instigavam eram o novo trabalho de
Truffaut, ou um Bergman, um
Antonioni, um De Sica. Mas os jovens de hoje, mesmo os inteligentes, não conhecem Renoir, não
conhecem Kurosawa. São analfabetos." Ele faz uma pausa, depois
acrescenta, irritado: ""Parece que a
única coisa que têm a seu favor é o
fato de serem jovens".
E o que dizer, então, do fato de
que seu próximo filme, ""Melinda
and Melinda", ser estrelado por
Will Ferrell e Amanda Peet? Não
será essa uma artimanha astuta
para atrair o público de menos de
30 anos aos cinemas, para ver seus
filmes? ""Nunca faço filmes para
jovens", ele garante. ""Não tenho
um público jovem."
Boa parte do problema de
""Igual a Tudo na Vida" -e de
grande parte dos trabalhos recentes de Allen- é sua misantropia.
Os personagens femininos no filme mais recente -Amanda (a
namorada de Jerry, interpretada
por Christina Ricci) e sua mãe,
Paula (Stockard Channing)- são
criaturas manipuladoras, desagradáveis. Os personagens de
Allen sempre foram repletos de
neuroses, mas eram reconhecíveis como gente. Amanda e Paula
não possuem nenhuma qualidade
que as redima.
""Isso mesmo", diz Allen em
tom de desafio. ""E está ótimo assim. Não sou obrigado a fazer personagens agradáveis. Ao longo
dos anos, a maioria das mulheres
que criei teve os melhores papéis e
ganhou os Oscar. Nesse filme,
Christina é promíscua, Jason é
muito neurótico, e eu sou psicótico. Ninguém sobrevive."
Woody Allen pode ser visto como autor, mas opõe resistência
total à idéia de que exista alguma
progressão temática em seus filmes, que, insiste, não são mais do
que uma sucessão de histórias divertidas. ""Quando termino um
filme, sigo adiante e faço o próximo com a idéia que está na minha
cabeça naquele momento, seja ela
qual for", explica.
Existe algo de tático no argumento de Allen, entre outras razões porque, convenientemente,
ele joga por terra a perspectiva de
seus filmes serem discutidos como autobiografia -o que, com
certeza, não seria descabido, em
se tratando de um roteirista e diretor que geralmente também representa o papel principal.
Teria havido algum ""Dobel" na
vida de Allen? Ele respira antes de
responder. ""Sim", reconhece, falando com cuidado. ""Quando eu
tinha 20 e poucos anos, conheci
um homem mais velho e também
muito louco, que já morreu. Ele tinha sido internado, e eu o achei
muito brilhante. Quando eu falava com ele sobre literatura, vida,
arte, mulheres, ele era muito coerente. Mas não conseguia conduzir sua própria vida."
Tradução Clara Allain
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