|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Espanhola entretece ficção e real em livro
FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, NA CIDADE DO
MÉXICO
Na opinião da espanhola Rosa
Montero, que participa do debate
"Vozes Femininas", hoje, às 18h,
na Flip, "quase todos os escritores, cedo ou tarde", se lançam à
empreitada de dissecar a literatura. No seu caso, a idéia brotou há
mais de 15 anos.
Mas eis que a fantasia se interpôs e, relendo suas anotações sobre o tema, ela se encontrou com
"a louca da casa", frase com que
Teresa d'Ávila designava a imaginação e que dá título ao livro recém-lançado no Brasil, um híbrido entre o ensaio, o romance e o
relato biográfico.
Apesar de participar, em Parati,
de uma mesa composta somente
por vozes femininas -as também escritoras Adriana Lisboa,
Isabel Fonseca e Geneviève Brisac-, em debate que abordará as
obras de Elizabeth Bishop e Virginia Woolf, Montero rejeita o rótulo de "literatura feminina".
Mas a perenidade da obra do escritor, como a das duas autoras
clássicas, é tema sobre o qual a espanhola já meditou. Em "A Louca
da Casa", ela diz que se deu conta
da mortalidade quando tinha cinco anos, ao aprender que o autor
do livro que lia morrera antes
mesmo que ela existisse. Mas, curiosamente, o livro estava ali, em
suas mãos.
Ainda assim, diz que não é a
promessa da posteridade que a
move. "Não escrevo para que daqui a cem anos leiam meus livros
nas escolas. A história da literatura está cheia de escritores maravilhosos que foram esquecidos. Eu
não ficarei. Por outro lado, para
mim tanto faz, porque, quando eu
morrer, o mundo terá morrido
para mim."
"A Louca da Casa" é uma defesa
da fantasia entendida tanto como
disfarce quanto como imaginação. Nele, as considerações sobre
como nasce uma narrativa se
mesclam a anedotas sobre escritores; visões pessoais do ofício literário se entremeiam a citações
de colegas ilustres de todas as
épocas. Percebemos quais são os
autores preferidos da escritora e
aqueles que ela não admira tanto.
Tudo isso entretecido com episódios da vida (ou das possíveis vidas) de Rosa Montero.
"Este livro está cheio de truques,
como de prestidigitador", adverte. "O leitor entra nele acreditando que tudo ali é real. Ele já está
dentro do jogo, mas não sabe que
está jogando. Até que lê algo e diz:
"Mas, caramba, essa mulher está
me enganando". Definitivamente,
pode escolher em que acreditar."
De saída, pode-se crer em tudo
o que Rosa Montero acha que é
ser escritor. Ou na forma em que,
para ela, a imaginação se plasma e
invade o cotidiano. Pode-se acreditar também que, para a autora,
o escritor é sempre um pouco "esquizofrênico", na medida em que
se refunde nos personagens que
cria, e criança, considerando que
é na infância que a "louca" corre a
rédeas soltas pela "casa". São
idéias que estão no livro e que ela
não hesita em sacar sempre que
instada.
Mas lembremo-nos de que estamos, também, falando com uma
jornalista, cujo ganha-pão reside
no concreto; que aborda em colunas no maior jornal de seu país temas candentes; que, fruto de sua
geração, defende as mulheres e
que, filha de toureiro, defende os
animais; que foi contra a Guerra
do Iraque, apoiando a retirada
das tropas espanholas do país.
Mas alguém que, por incrível
que pareça, não dá muita importância para a fronteira entre ficção
e realidade. Isso porque, para ela,
a realidade é uma abstração. Na
visão da escritora, inventamos
nosso próprio passado. Lembrar
é inventar.
"Seu passado é um conto que
você conta a si mesmo. Eu tenho
um irmão, cinco anos mais velho,
e os pais de que ele se lembra não
são os meus, definitivamente!
Não é que a realidade dê base para
muita imaginação. Ela está é costurada pela imaginação."
Exercendo seu ofício, Montero
foi atraída por outra nuança de
imortalidade oferecida pela escrita: "No momento em que você está inventando, a morte não existe.
Quando você escreve um romance, você está alienada por ele. E,
quando você sai da sua vida, sai
da sua morte".
Talvez por isso esse elogio ao invento que é, "A Louca da Casa"
seja uma forma coerente de apresentar Rosa Montero ao Brasil.
Pode-se inquirir sobre o que é
"verdade" no livro. Resta ao leitor
acreditar ou não no que ela disser.
Por ora, Rosa Montero dá uma dica: "O Citröen Mehari vermelho
eu tive, sim".
Texto Anterior: 2ª Flip: Atwood detalha sua "ficção especulativa" Próximo Texto: 2ª Flip: Sai lista do Programa de Apoio à Tradução Índice
|