São Paulo, sexta-feira, 09 de julho de 2004

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MÚSICA

Alagoano é o primeiro artista local de ponta a lançar disco com financiamento, gravação e distribuição próprios

Djavan inaugura modelo independente

DA REPORTAGEM LOCAL

A empresária musical e o executivo do disco desceram no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e foram assaltados. Levaram celulares e um relógio Cartier do executivo, mas seus anéis de ouro ficaram. O dono da gravadora ficou consternado com o incidente, mas não socializou o prejuízo com seus dois funcionários.
A gravadora se chama Luanda Records Brasil, o nome de seu dono é Djavan. Após rescindir contrato com a multinacional Sony Music, o artista alagoano de 57 anos enfrenta o que classifica como um "passo enorme no escuro": ser o primeiro músico brasileiro de ponta a peitar financiamento, gravação, lançamento, distribuição e divulgação de seu próprio CD -que, aliás, se chama "Vaidade" e sai com 75 mil cópias em primeira tiragem.
O diretor de marketing de sua gravadora é Edison Coelho, 56, um dos homens por trás do sucesso voraz da axé music no Brasil dos anos 90, quando trabalhava na Universal. "Quando saí tive convite de outra multinacional, mas chegou o momento em que queria um novo desafio",diz.
Foi ele o assaltado no aeroporto com a terceira ponta do tripé da Luanda, Mara Rabello, 45, empresária de Djavan há 14 anos, que já administrava a produtora de shows e a editora do artista.
Mara, que no assalto perdeu os anéis, mas não os dedos, comenta por entrelinhas os intercâmbios de papéis numa indústria em franca queda (leia quadro à direita). "Outro dia brinquei com Edison: "É, eu no meu carrinho, você no seu carrão, música da Bahia... Agora não tem mais, vai ter que se virar com MPB mesmo"."
Foi ela que negociou abrir mão de um "contrato de valores muito altos" com a Sony e hoje pondera o estado de coisas: "Ouvimos tanto eles falarem que o CD e a música iam acabar, um país como o Brasil não pode pensar assim. A gente não acredita nisso".
Djavan também não, embora saiba que o peso do disco diminuiu no todo de sua carreira: "Mudou tudo, o disco realmente perdeu importância, se diluiu, cada vez mais ele vale menos".
Com capital acumulado em 28 anos de história profissional, construiu estúdio próprio para gravar sua obra e agora fecha o cerco numa gravadora que, ele sonha, pode vir a lançar outros artistas se tudo der certo.
Não fala quem contrataria, mas dá pistas. "João Bosco é um artista que amo. Ficaria honrado." Chega a pensar em produzir um trabalho do colega, mas hesita: "Adoro produção, fiquei craque nisso, mas tenho que me dedicar a meu trabalho. Tenho exemplo de artista que amo e respeito e tive que jogar fora arranjo que fez para mim. É muito chato, difícil".
Expoente forte de uma época governada pelo individualismo na MPB, Djavan aproveita o momento de bicho solto e, dono de empresa, se põe a refletir sobre sua condição de artista.
Conta como é compor após quase 30 anos de experiência. "Compor, nesta altura do campeonato, é a coisa mais dolorosa que existe. Não é só o que sair, o critério é muito acirrado."
Conta que, embora sonhe fazer discos de intérprete, precisa continuar compondo, até como antídoto para o desgaste que acompanha o final de cada turnê que faz. "Encerro turnê num tal estado de tristeza, de esgotamento, que só uma música nova me salva."
Explica melhor o esgotamento que os shows provocam. "Saio do palco inteiraço, feliz. Mas costumo atender às pessoas no final e ao final disso estou arrasado, cansado, vazio, puxado. O público tira muito, você termina exaurido."
Corrige-se, não quer transmitir tais sentimentos como ruins. "São pessoas que gostam muito de mim, dizem coisas que estão presas na garganta. É um momento rico, algo de que preciso também. No resto do tempo não ando na rua, a gente vai se enclausurando", finaliza, voltando ao balanço entre o individual e o coletivo, o artesanato e a indústria, o artista e o gerente de um novo modelo musical que sofre para nascer.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)



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