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MÚSICA
Alagoano é o primeiro artista local de ponta a lançar disco com financiamento, gravação e distribuição próprios
Djavan inaugura modelo independente
DA REPORTAGEM LOCAL
A empresária musical e o executivo do disco desceram no aeroporto de Congonhas, em São
Paulo, e foram assaltados. Levaram celulares e um relógio Cartier
do executivo, mas seus anéis de
ouro ficaram. O dono da gravadora ficou consternado com o incidente, mas não socializou o prejuízo com seus dois funcionários.
A gravadora se chama Luanda
Records Brasil, o nome de seu dono é Djavan. Após rescindir contrato com a multinacional Sony
Music, o artista alagoano de 57
anos enfrenta o que classifica como um "passo enorme no escuro": ser o primeiro músico brasileiro de ponta a peitar financiamento, gravação, lançamento,
distribuição e divulgação de seu
próprio CD -que, aliás, se chama "Vaidade" e sai com 75 mil cópias em primeira tiragem.
O diretor de marketing de sua
gravadora é Edison Coelho, 56,
um dos homens por trás do sucesso voraz da axé music no Brasil
dos anos 90, quando trabalhava
na Universal. "Quando saí tive
convite de outra multinacional,
mas chegou o momento em que
queria um novo desafio",diz.
Foi ele o assaltado no aeroporto
com a terceira ponta do tripé da
Luanda, Mara Rabello, 45, empresária de Djavan há 14 anos, que já
administrava a produtora de
shows e a editora do artista.
Mara, que no assalto perdeu os
anéis, mas não os dedos, comenta
por entrelinhas os intercâmbios
de papéis numa indústria em
franca queda (leia quadro à direita). "Outro dia brinquei com Edison: "É, eu no meu carrinho, você
no seu carrão, música da Bahia...
Agora não tem mais, vai ter que se
virar com MPB mesmo"."
Foi ela que negociou abrir mão
de um "contrato de valores muito
altos" com a Sony e hoje pondera
o estado de coisas: "Ouvimos tanto eles falarem que o CD e a música iam acabar, um país como o
Brasil não pode pensar assim. A
gente não acredita nisso".
Djavan também não, embora
saiba que o peso do disco diminuiu no todo de sua carreira:
"Mudou tudo, o disco realmente
perdeu importância, se diluiu, cada vez mais ele vale menos".
Com capital acumulado em 28
anos de história profissional,
construiu estúdio próprio para
gravar sua obra e agora fecha o
cerco numa gravadora que, ele sonha, pode vir a lançar outros artistas se tudo der certo.
Não fala quem contrataria, mas
dá pistas. "João Bosco é um artista
que amo. Ficaria honrado." Chega a pensar em produzir um trabalho do colega, mas hesita:
"Adoro produção, fiquei craque
nisso, mas tenho que me dedicar a
meu trabalho. Tenho exemplo de
artista que amo e respeito e tive
que jogar fora arranjo que fez para mim. É muito chato, difícil".
Expoente forte de uma época
governada pelo individualismo
na MPB, Djavan aproveita o momento de bicho solto e, dono de
empresa, se põe a refletir sobre
sua condição de artista.
Conta como é compor após
quase 30 anos de experiência.
"Compor, nesta altura do campeonato, é a coisa mais dolorosa
que existe. Não é só o que sair, o
critério é muito acirrado."
Conta que, embora sonhe fazer
discos de intérprete, precisa continuar compondo, até como antídoto para o desgaste que acompanha o final de cada turnê que faz.
"Encerro turnê num tal estado de
tristeza, de esgotamento, que só
uma música nova me salva."
Explica melhor o esgotamento
que os shows provocam. "Saio do
palco inteiraço, feliz. Mas costumo atender às pessoas no final e
ao final disso estou arrasado, cansado, vazio, puxado. O público tira muito, você termina exaurido."
Corrige-se, não quer transmitir
tais sentimentos como ruins. "São
pessoas que gostam muito de
mim, dizem coisas que estão presas na garganta. É um momento
rico, algo de que preciso também.
No resto do tempo não ando na
rua, a gente vai se enclausurando", finaliza, voltando ao balanço
entre o individual e o coletivo, o
artesanato e a indústria, o artista e
o gerente de um novo modelo
musical que sofre para nascer.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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