CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

Depois do sucesso de "A Poltrona Escura", baseado em três contos de Luigi Pirandello, o ator Cacá Carvalho retorna ao mesmo autor em nova colaboração com o diretor italiano Roberto Bacci.
O resultado é a adaptação da novela "O Homem com a Flor na Boca", que estreou inicialmente em 1990 e está em temporada na Casa Laboratório, na Barra Funda.
No texto original, uma situação de espera coloca um doente terminal frente a um homem de negócios.
O drama surge do contratempo entre alguém que vive um momento de excepcional clareza à beira da morte e a obtusidade de seu interlocutor enterrado na normalidade de sua rotina.
Além de metáfora para o câncer, a flor estranha que nasceu em sua boca é o disparo dramático que empurra o protagonista em seu abismo pessoal, gerando uma digressão existencialista que se transforma em monólogo.
Uma aparente fixação maníaca pelo particular, como a observação do possível destino de um pacote, por exemplo, serve para desmascarar banalidades percebidas em seu contrário.
No espaço ascético criado por Márcio Medina há apenas cadeiras distribuídas pela sala, que descentralizam a tentativa de criar um palco.
A ausência de um foco da encenação é reiterada pela luz de Fábio Retti, que, sempre acesa, é estéril e não oscila para a teatralidade.
Os elementos cênicos monocórdios estimulam o espectador para fora do jogo de ilusão criado pelo teatro.
Com isso, a carga ficcional apoia-se inteiramente na interpretação solene de Cacá Carvalho, cuja voz poderosa enfatiza a particularidade de cada momento.
A crueza da montagem estabelece um contraponto. Ao mesmo tempo em que aproxima a cena ao se despir de teatralidade, a magnitude de sua interpretação leva ao distanciamento da ficção.
Entre a doçura da flor na boca e o gosto amargo desta montagem, dramatiza-se o jogo ambíguo típico do teatro de Pirandello, que sempre coloca o espectador no esforço ineficiente de tentar distinguir ilusão da realidade.