VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem assistiu à montagem do inglês Peter Brook para "Hamlet", na recente turnê São Paulo-Rio, com William Nadylan no papel do príncipe dinamarquês, para citar um dos atores negros do elenco, não deverá se surpreender com "Hamlet É Negro", que Antonio Abujamra encena no carioca teatro da Glória.
O espetáculo da recém-criada companhia, ainda não batizada, faz pré-estréia hoje, para convidados, e coincide com a nova produção paulista do Teatro Popular do Sesi. A versão do diretor Francisco Medeiros para a mesma obra de William Shakespeare (1554-1616) tem sessão para convidados, hoje, e cumpre temporada gratuita a partir de amanhã.
Abujamra, 70, que assinou pelo menos cinco montagens da peça em meio século de carreira, acha "bobagem" reduzir seu "Hamlet" somente à questão racial. Prefere a perspectiva cidadã. "No Brasil, os negros são uma vanguarda erótica, musical, atlética e, no entanto, eles não têm uma postura cultural que mereçam", diz.
Kadu Carneiro, que protagonizou no cinema "Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro", é o Hamlet negro no Rio. Marcos Damigo, o Hamlet branco em São Paulo. Iléa Ferraz é a Ofélia negra do Glória. Rosana Seligmann, a Ofélia branca do Popular do Sesi.
De olho no público predominantemente jovem que frequenta o Popular do Sesi, Medeiros, 53, também enxerta noções de cidadania, desmandos do poder à frente, em meio às dúvidas que atormentam a alma do príncipe.
Hamlet é incitado pelo fantasma do pai a desmascarar o tio Cláudio, que o assassinara para usurpar o trono e se casar com a rainha Gertrudes. Precipitam-se reflexões sobre o bicho homem e, com elas, ações sanguinárias que fazem desta tragédia do século 17 um clássico da dramaturgia.