|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES VISUAIS
"Dona" da Bienal de Veneza de 99, artista iraniana Shirin Neshat abre no Rio 1ª mostra no continente
A poesia visual do Islã
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Das diversas pontes que já se
tentou construir entre as culturas
do Ocidente e do Oriente, poucas
são tão firmes e com paisagens
tão belas quanto as que a iraniana
Shirin Neshat vem forjando com
rolos de filme de cinema.
É uma história relativamente recente, já que a artista só começou
a expor em 1993, mas para muitos
críticos de peso tem estatuto de
"Mil e Uma Noites".
Aos 44 anos, essa filha da cidade
de Qazvin ganhou um dos prêmios mais importantes do mundo, o de melhor artista da Bienal
de Veneza. Também em 1999,
Neshat recebeu de um dos grandes críticos de arte contemporâneo, Arthur Danto, um longo artigo na revista "The Nation" defendendo que um filme feito por ela
era o que mais próximo havia hoje do conceito de obra-prima.
O professor da Universidade
Columbia escreve: "Espero que
esse filme seja mostrado em um
museu perto de você".
Pois não é que isso está acontecendo, a partir de hoje, no Rio de
Janeiro? "Rapture", o trabalho em
questão, é uma das atrações da exposição que a artista abre esta noite no Centro Cultural Banco do
Brasil. Organizada pelo Instituto
Arte Viva, da empresária Frances
Reynolds Marinho, "Entre os Extremos" é a primeira grande mostra individual de Neshat na América do Sul, que só tinha visto uma
de suas instalações, este ano, na
Bienal de São Paulo.
Por conta do début continental,
ela veio ao país para acompanhar
a montagem da mostra, composta de quatro instalações com filmes e quatro salas de referência
de seus universos simbólicos.
"É uma mostra muito boa, sobretudo para um público que não
conhece meu trabalho. Dá uma
perspectiva completa da minha
trajetória artística", diz Neshat.
Lá estão desde trabalhos iniciais
até "Tooba", filme que ela apresenta até 15 de setembro também
na Documenta de Kassel, na Alemanha, considerada a mostra
mais importante do mundo.
Em entrevista à Folha, por telefone, Neshat afirma que esse trabalho, batizado com o nome da
árvore do paraíso em farsi, traduz
o impacto emocional que ela, iraniana muçulmana radicada há 28
anos em Nova York, teve com o 11
de setembro. "Fiquei com os sentimentos todos embaralhados."
Na conversa a seguir, a artista dá
o antídoto para essas e outras tragédias: poesia. Leia trechos.
Folha - Você nasceu no Irã e vem
morando nos Estados Unidos desde
os 16 anos. Quais os reflexos dessa
mudança cultural em sua obra?
Shirin Neshat - Vivo no cotidiano com uma sombra estranha ao
meu redor. Como moro nos EUA
há muito tempo, mas sou extremamente ligada ao Irã, que é totalmente diferente, não posso
chamar nenhum lugar de minha
casa. Não importa onde eu esteja,
sempre sinto a falta de alguma
metade. Essa dualidade sempre
acompanha o meu trabalho. Tudo o que faço está dentro de um
fluxo, de uma constante negociação, que pode ser tanto dos dois
universos que fazem parte de
mim, Ocidente e Oriente, quanto
da relação homem e mulher.
Folha - Você trabalha ao mesmo
tempo com muito lirismo e com
imagens muito fortes, por exemplo, de mulheres árabes com armas. O que é mais importante para
você, poesia ou política?
Neshat - Poesia. Primeiro, porque não nasci para ser uma pessoa política. Segundo, porque na
sociedade iraniana, onde cresci,
poesia é tudo. Culturalmente está
entranhada na maior parte da vida diária das pessoas. O uso da
linguagem poética e das metáforas também acaba por ser muito
útil para o posicionamento político popular, já que não é nada fácil
se manifestar institucionalmente.
Folha - Como suas "poesias visuais" se manifestam politicamente em relação aos recentes conflitos do Ocidente com o Oriente?
Neshat - Não me sinto muito
confortável no papel de expert sobre o Islã ou tomando a responsabilidade de fazer um julgamento
do que é o islamismo. Acho que o
mais honesto é apresentar o trabalho do modo como eu tenho
condições de fazer, que é simplesmente levantar uma série de questões e traçar uma moldura em torno de assuntos que acho muito
importantes em relação à cultura
islâmica. Ao olhar para o que há
nessa moldura creio que o espectador ocidental tende a perceber a
complexidade desse universo.
Folha - Qual foi o impacto de 11
de setembro em seu trabalho?
Neshat - Foi muito grande, como também deve ter sido para
muitos outros artistas não muçulmanos ou para a maior parte dos
nova-iorquinos. Como muçulmana de origem iraniana vivendo
em Nova York, essa situação foi
obviamente muito mais intensa .
Fiquei com os sentimentos todos
embaralhados.
SHIRIN NESHAT - ENTRE EXTREMOS.
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r.
Primeiro de Março, 66, centro, Rio de
Janeiro, tel. 0/ xx/21/3808-2020).
Quando: hoje, às 20h (para convidados);
de ter a dom, das 12h30 às 19h30.
Quanto: entrada franca.
Texto Anterior: Teatro: Hamlet ganha nova dimensão, com faces branca e negra Próximo Texto: A geração da náusea Índice
|