São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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ARTES VISUAIS

"Dona" da Bienal de Veneza de 99, artista iraniana Shirin Neshat abre no Rio 1ª mostra no continente

A poesia visual do Islã

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Das diversas pontes que já se tentou construir entre as culturas do Ocidente e do Oriente, poucas são tão firmes e com paisagens tão belas quanto as que a iraniana Shirin Neshat vem forjando com rolos de filme de cinema.
É uma história relativamente recente, já que a artista só começou a expor em 1993, mas para muitos críticos de peso tem estatuto de "Mil e Uma Noites".
Aos 44 anos, essa filha da cidade de Qazvin ganhou um dos prêmios mais importantes do mundo, o de melhor artista da Bienal de Veneza. Também em 1999, Neshat recebeu de um dos grandes críticos de arte contemporâneo, Arthur Danto, um longo artigo na revista "The Nation" defendendo que um filme feito por ela era o que mais próximo havia hoje do conceito de obra-prima.
O professor da Universidade Columbia escreve: "Espero que esse filme seja mostrado em um museu perto de você".
Pois não é que isso está acontecendo, a partir de hoje, no Rio de Janeiro? "Rapture", o trabalho em questão, é uma das atrações da exposição que a artista abre esta noite no Centro Cultural Banco do Brasil. Organizada pelo Instituto Arte Viva, da empresária Frances Reynolds Marinho, "Entre os Extremos" é a primeira grande mostra individual de Neshat na América do Sul, que só tinha visto uma de suas instalações, este ano, na Bienal de São Paulo.
Por conta do début continental, ela veio ao país para acompanhar a montagem da mostra, composta de quatro instalações com filmes e quatro salas de referência de seus universos simbólicos.
"É uma mostra muito boa, sobretudo para um público que não conhece meu trabalho. Dá uma perspectiva completa da minha trajetória artística", diz Neshat.
Lá estão desde trabalhos iniciais até "Tooba", filme que ela apresenta até 15 de setembro também na Documenta de Kassel, na Alemanha, considerada a mostra mais importante do mundo.
Em entrevista à Folha, por telefone, Neshat afirma que esse trabalho, batizado com o nome da árvore do paraíso em farsi, traduz o impacto emocional que ela, iraniana muçulmana radicada há 28 anos em Nova York, teve com o 11 de setembro. "Fiquei com os sentimentos todos embaralhados."
Na conversa a seguir, a artista dá o antídoto para essas e outras tragédias: poesia. Leia trechos.

Folha - Você nasceu no Irã e vem morando nos Estados Unidos desde os 16 anos. Quais os reflexos dessa mudança cultural em sua obra?
Shirin Neshat -
Vivo no cotidiano com uma sombra estranha ao meu redor. Como moro nos EUA há muito tempo, mas sou extremamente ligada ao Irã, que é totalmente diferente, não posso chamar nenhum lugar de minha casa. Não importa onde eu esteja, sempre sinto a falta de alguma metade. Essa dualidade sempre acompanha o meu trabalho. Tudo o que faço está dentro de um fluxo, de uma constante negociação, que pode ser tanto dos dois universos que fazem parte de mim, Ocidente e Oriente, quanto da relação homem e mulher.

Folha - Você trabalha ao mesmo tempo com muito lirismo e com imagens muito fortes, por exemplo, de mulheres árabes com armas. O que é mais importante para você, poesia ou política?
Neshat -
Poesia. Primeiro, porque não nasci para ser uma pessoa política. Segundo, porque na sociedade iraniana, onde cresci, poesia é tudo. Culturalmente está entranhada na maior parte da vida diária das pessoas. O uso da linguagem poética e das metáforas também acaba por ser muito útil para o posicionamento político popular, já que não é nada fácil se manifestar institucionalmente.

Folha - Como suas "poesias visuais" se manifestam politicamente em relação aos recentes conflitos do Ocidente com o Oriente?
Neshat -
Não me sinto muito confortável no papel de expert sobre o Islã ou tomando a responsabilidade de fazer um julgamento do que é o islamismo. Acho que o mais honesto é apresentar o trabalho do modo como eu tenho condições de fazer, que é simplesmente levantar uma série de questões e traçar uma moldura em torno de assuntos que acho muito importantes em relação à cultura islâmica. Ao olhar para o que há nessa moldura creio que o espectador ocidental tende a perceber a complexidade desse universo.

Folha - Qual foi o impacto de 11 de setembro em seu trabalho?
Neshat -
Foi muito grande, como também deve ter sido para muitos outros artistas não muçulmanos ou para a maior parte dos nova-iorquinos. Como muçulmana de origem iraniana vivendo em Nova York, essa situação foi obviamente muito mais intensa . Fiquei com os sentimentos todos embaralhados.


SHIRIN NESHAT - ENTRE EXTREMOS.
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Primeiro de Março, 66, centro, Rio de Janeiro, tel. 0/ xx/21/3808-2020). Quando: hoje, às 20h (para convidados); de ter a dom, das 12h30 às 19h30. Quanto: entrada franca.



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