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"O ENXERTO/O HOMEM, A BESTA E A VIRTUDE"
Pirandello enfatiza o teatro da condição humana
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A tradução de peças do
dramaturgo italiano Luigi
Pirandello (1867-1936) para o
português -como a de "O Enxerto" e "O Homem, a Besta e a
Virtude"- é sempre notícia relevante, pois sempre foi vital a presença de Pirandello nos palcos
brasileiros.
Desde que Oswald de Andrade
promoveu sua "anunciação" em
1923, vendo "Seis Personagens em
Busca de um Autor" triunfar em
Paris, a sofisticada ironia de seu
teatro, sobretudo o metalinguístico, costuma vicejar por aqui, endossada por nomes como Nydia
Lícia (em cujo teatro se fez uma
antológica montagem de "Esta
Noite se Representa de Improviso") e Paulo Autran, que voltou
várias vezes ao essencial "Seis Personagens em Busca de Autor",
enquanto ator e diretor.
E não só o teatro de Pirandello:
suas novelas, em geral ponto de
partida de suas peças, já eram editadas em São Paulo em 1925, estando Francisco Pati entre seus
primeiros tradutores no mundo.
Não é exagero, portanto, afirmar
que Pirandello contribuiu muito
para nos tornar cosmopolitas.
No entanto, muitas de suas peças ainda estão para ser traduzidas. Várias envelheceram e têm
um interesse apenas histórico,
por revelar o quanto Pirandello é
devedor do melodrama e do vaudeville. Mas uma hábil garimpagem de Aurora Bernardini e Homero de Andrade traz agora para
perto da ribalta dois textos complementares: "O Enxerto" e "O
Homem, a Besta e a Virtude".
De tons opostos, sendo a primeira um quase melodrama, de
ironia leve, e a segunda uma sátira
que beira a commedia dell'arte, as
peças de 1919 constituem uma espécie de elo entre a primeira fase
de seu teatro, cujo tema dominante é a possibilidade de uma pessoa
ser várias, dependendo de quem a
vê, e a segunda e mais conhecida
fase, que incorpora metalinguisticamente o fazer teatral.
De uma peça para outra, a teatralidade, que remete a uma condição essencial do ser humano, é
acentuada, produzindo assim resultados bem diferentes. "O Enxerto" poderia facilmente passar
por um melodrama, ao discutir
em termos morais incômodas
questões como o estupro, o aborto e o adultério, sem perder a
compostura.
Laura é estuprada logo na cena
três e engravida, vindo assim a
descobrir a infertilidade do marido. Esse filho ilegítimo poderia
ser encarado como um mal que
vem para o bem, "enxerto" na família burguesa? O polêmico aqui
é atenuado por ser expresso apenas por alusões, como se o público fosse Giulietta, a irmã mais nova, de quem é preciso preservar a
pureza.
Pirandello se mostra tão hábil
nos meios tons, que se chega a
desconfiar de uma ironia em relação às convenções da época, como faz Tardieu, por exemplo, na
paródia "Só Eles o Sabem".
Em "O Homem, a Besta e a Virtude", no entanto, Pirandello é
outro: abandona qualquer prudência e expõe seu erotismo desbragadamente, com personagens
que parecem saídos do teatro de
bonecos.
O tema é equivalente: Paolino,
professor patético (uma autocaricatura de Pirandello), tem um caso com a senhora Perella, mulher
de um marinheiro que a negligencia sexualmente, por ter outra família. Quando ela engravida, no
entanto, o professor precisa encontrar um subterfúgio para que
o marinheiro finalmente consume seu casamento para poder
crer que o filho é seu. Beirando a
grosseria, mas com uma verve popular impagável, os atores nesse
texto são convidados a endossarem o caricatural, em rubricas
precisas.
Nesse volume, portanto, e bem
ao estilo do autor, temos um Pirandello lunar e um solar: ele é
aquilo que queremos que seja.
Além da interessante e bem embasada introdução, os tradutores
mostram assim que a responsabilidade de uma edição de texto teatral vai além de disponibilizar um
texto. Ao reunir textos assim
complementares, fazem como
uma encenação imaginária, à altura da inteligência de Pirandello.
O Enxerto/O Homem, a Besta e a Virtude
Autor: Luigi Pirandello
Tradutores: Aurora Fornoni Bernardini
e Homero Freitas de Andrade
Editora: Edusp
Quanto: R$ 21 (176 págs.)
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