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São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2003

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"RELÂMPAGOS"

Ferreira Gullar procura os vínculos entre arte e vida

TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para Ferreira Gullar, faz tempo que a idéia de inovação se tornou doença senil das artes plásticas. Já no livro "Argumentação contra a Morte da Arte" (93), ele tentava revisar suas posições sobre a arte moderna, desvinculando-as de um movimento linear de sucessão de procedimentos criativos que se enfrentavam, sobrepondo uns aos outros, e procurava outros critérios.
O autor via sentido no esforço inovador quando ele se identificava com o desinibir do gesto artístico. No meio do caminho, no entanto, a procura pelo novo se transformou em obsessão. Parte da arte apostou tudo na superação permanente. A sede de novidade se sobrepôs à qualidade dos trabalhos. Com todas as armas apontadas para a superação dos antecedentes, a arte teria desistido de sugerir relações mais vigorosas com o mundo. Este vínculo mais imediato da obra com outras instâncias da vida interessam Gullar em seu novo livro, "Relâmpagos".
O poeta observa as relações internas dos trabalhos e procura uma força poética que não aparece em sua mera inserção na marcha histórica da arte. Uma força histórica se revela nos trabalhos, mas se mostra mais em sua capacidade de modificar a nossa percepção do que na inscrição desses artistas na história da arte.
Provavelmente, existe nessa avaliação mais sincrônica da obra uma certa ruptura com alguns textos neoconcretos de Ferreira Gullar. Sua defesa da vanguarda, entre os anos 50 e 60, incluía a inserção do grupo na ponta de um desenvolvimento evolutivo.
O interesse do autor naquele grupo passava pela direção que eles davam à abstração geométrica, como ele mesmo afirma no texto sobre Lygia Clark em "Relâmpagos".
Lá, portanto, já havia o tal relampejo, que o escritor tenta agora capturar na fruição das obras em forma de ensaio, verso ou depoimento. Trata-se do que ele chama de "força semântica", uma capacidade visual de sugestão de relação do homem com as coisas do mundo, independente de rupturas no interior da história.
Por isso escolhe artistas que não promoveram grandes choques como Klimt e Morandi e outros que criaram suas obras à margem dos grandes acontecimentos artísticos como Rousseau e Raphael. E, quando trata de grandes renovadores, como Picasso, Matisse e Calder, interessa para Ferreira Gullar a capacidade imediata de sugerir uma nova lida com o mundo.
Tiago Mesquita é crítico de arte


Relâmpagos
    Autor: Ferreira Gullar Editora: Cosac & Naify Quanto: R$ 89 (176 págs.)



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