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NINA HORTA
Garçom, um Jack Daniel's... duplo!
Fazia tempo que não comia alguma coisa que satisfizesse não só meu paladar
como me deixasse feliz
INGREDIENTES NOVOS, cada dia
mais raros. Adorei encontrar
arenque fresco no Empório
Santa Luzia. Deliciosos, gordos, ricos. São bons de todo jeito, mas talvez melhores se riscados, grelhados,
ou passados em aveia e fritos.
Para limpá-los, remove-se a cabeça e as vísceras e massageia-se o peixe por uns dois minutos. Pega-se,
então, a parte exposta das vértebras
e puxa-se. Ele ficará do avesso. Tire o
osso junto do rabo e vire o arenque
de novo. Está pronto para ser recheado.
Estão acabando as castraure do
restaurante Fasano. O que são elas?
A primeira alcachofrinha que surge
no pé e é cortada para fortificar a
planta. Os venezianos esperam por
ela avidamente. Não sei de nada no
Brasil que se espere assim, sem fôlego, sem ar. Jabuticaba, pequi, manga-coquinho? Pelo menos em São
Paulo, onde nosso pomar é o supermercado, temos poucas surpresas
de balançar o coração. Mas, voltando às alcachofrinhas, pedi no Fasano
um prato daqueles de alma. Fazia
tempo que não comia alguma coisa
que satisfizesse não só meu paladar,
mas que me deixasse feliz comigo
mesma.
Engraçado que nem é por causa
das castraure, mas pelo risoto de fregole, um macarrão de semolina tostado, feito como um saboroso risoto,
e com a alcachofra por cima, que
nem tão boa é, amarguinha, tem o
gosto do talo, mas a combinação
perfeita.
Cucina povera da Itália, servida
num ambiente elegante e com muito calor humano. Qualquer pobretão se sente bem num castelo se for
tratado como castelão. Vale a pena ir
ao Fasano, é um jeito de domar as
nossas caipirices e ver que podemos
sobreviver no mais luxuoso dos luxos, quando ele (o luxo) é funcional e
belo. O preço não é maior do que o
de outros restaurantes caros. E o
tratamento dá saudade.
Garçons, maîtres e sommelier são
tão elegantes que acabam te fazendo
elegante também. (Estou falando isto mais por mim, que quando tenho
que ir a um lugar novo e que tem fama de muito bom, fico resmungando que não tenho roupa, que preciso
ir ao cabeleireiro, que diabos, porque todo restaurante bom não é no
bairro, essas bobagens.)
Vocês, leitores, já devem estar
chateados com minhas histórias de
velhice, velhice pela qual não têm
culpa nenhuma. Mas tenho recebido e-mails agradecidos de mulheres
de cabelos brancos e suas dificuldades. Uma delas, para mim, é conseguir beber num restaurante. Se peço
um uísque, já se adiantam: "Pois
não, bem fraquinho, com bastante
gelo". Ai, ai, ai..
No Fasano, eu havia esquecido
meu remédio, aqueles de enganar o
fígado, e pedi ao barman se não tinha pelo menos um Pepsamar, que
ele interpretou, com razão, como
uma bebida e fez cara de paisagem.
Expliquei que não, que queria alguma coisa para o fígado, e ele logo me
ofereceu um suquinho sem álcool,
uma coisinha leve...
Vi que estava na hora de começar
pelo começo. O senhor não está
enteindeindo... Um Jack Daniel's,
duplo, straight como o de um velho
caubói. (Porque é engraçado
que velhos caquéticos podem pedir
qualquer bebida e ninguém
estranha.)
Acho que a geração das avós cresceu achando que beber era feio, nada feminino. Meu pai bebia de tudo,
principalmente uísque, e me deixava experimentar, sem medo de criar
uma filha alcoólatra. E não criou
mesmo. Bom, não fugindo do assunto do bar do Fasano, um dos
barman, André, se condoeu de mim
e funcionou como uma farmácia.
Perguntou de quantos miligramas
era o meu comprimido, saiu pelo hotel e voltou com dois de 20 ml e com
a explicação: "O senhor Rogério Fasano toma de 20 ml, logo trouxe dois
dos dele". Obrigada, vou devolver
uma caixinha inteira e prometo
nunca mais falar de velhas.
ninahorta@uol.com.br
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